segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

O Ego é o causador de todos os teus problemas – M. Lloyd-Jones (1899-1981).



Isso tudo se pode ver naquelas palavras de nosso Senhor, em Lucas 14.11:«Pois todo o que se exalta será humilhado; e o que se humilha será exaltado»

Aí está, pois, o que significa ser manso. Será necessário que eu saliente de novo que, evidentemente, isso é uma coisa de todo impossível para o homem natural? Jamais faremos a nós mesmos mansos. . . Isso não pode ser feito. Nada senão o Espírito Santo nos pode tornar humildes, nada senão o Espírito Santo nos pode tornar pobres de espírito e fazer-nos chorar por causa da nossa pecaminosidade, produzir em nós esta legítima e correta visão do nosso ego, e dar-nos esta mente de Cristo. Mas este é um assunto sério.

Os que nos apresentamos como cristãos, proclamamos necessariamente que já recebemos o Espírito Santo. Portanto, não temos desculpa se não somos mansos. Quem está de fora tem desculpa, pois isso lhe é impossível. Mas se nós, de fato, temos a pre-tensão de que recebemos o Espírito Santo, e esta é a pretensão de todo cristão genuíno, não temos desculpa se não somos mansos. Não é algo que você faz e que eu faço.

É cetto caráter produzido em nós pelo Espírito. E fruto direto do Espírito. É-nos oferecido e nos é possível a todos. Que nos cabe fazer? Cabe-nos enfrentar este Sermão da Montanha; cabe-nos meditar nesta afirmação relativa a ser manso; cabe-nos observar os exemplos; acima de tudo, cabe-nos olhar para o Senhor Jesus Cristo. Daí, temos que humilhar-nos e, cheios de vergonha, confessar não somente a pequenez da nossa estatura, mas também a nossa total imperfeição. Depois, temos que acabar com esse ego causador de todos os nossos problemas, de modo que Aquele que nos adquiriu por preço de tal monta tenha entrada em nossas vidas e nos venha a possuir totalmente.

                            Studies in the Sermon on the Mount, i, p. 71,2. 

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Acerte bem no centro – Martyn Lloyd-Jones (1899-1981)


Vejamos agora o que o Evangelho tem a dizer a respeito da vida. O primeiro princípio é que, face a face com os problemas da vida, há uma só coisa que precisa ser examinada — a saber, o olho, o centro, a alma. . . Em vista do fato que a luz do corpo é o olho, a única coisa que precisa ser examinada é o olho, pois se o olho for bom, todo o corpo será luminoso. Porém, se o olho for mau, o corpo inteiro ficará mergulhado em trevas. . . nosso Senhor passa a acrescentar esta solene advertência: «Repara, pois, que a luz que há em ti não sejam trevas» (Lucas 11.35). . . Como é direto (o Evangelho) em sua abordagem! . . . 

Imediatamente chega ao âmago da questão. " Essa simplicidade direta é perfeitamente ilustrada. . . por um incidente que se seguiu imediatamente depois de nosso Senhor ter proferido as palavras acima. Convidado por certo fariseu para o jantar, foi à casa dele e imediatamente se sentou para comer. O fariseu, ao observar tal ato, ficou surpreendido. Pois admirou-se de que Jesus primeiro não se lavou, antes de tomar a refeição. . . (Nosso Senhor) voltou-se para ele e lançou severa denúncia contra os fariseus e seus costumes e opiniões.

Aqueles que eram tão cuidadosos quanto ao exterior do corpo e do prato, olvidavam-se do interior dos mesmos, o que é infinitamente mais importante. . . Guardavam regras e regulamentos. . . Eram técnicos quanto às minúcias. . . Sabiam tudo sobre as coisas que estavam na periferia da Lei, mas ignoravam o objetivo desta, que visava a glorificar a Deus. . . Isso se pode usar como exemplo típico da maneira pela qual o Evangelho examina o problema do homem. Preocupa-se exclusivamente com um elemento, a alma. Embora o homem possa estar certo em muitas questões, como os fariseus certamente o estavam, isso de nada vale se ele estiver errado no ponto central, acerca do olho da alma. Ê o olho apenas que interessa. O Evangelho conta apenas com um teste a ser aplicado.

                                      Truth Unchanged, Unchanging, p. 82-4 

domingo, 11 de dezembro de 2011

Alegria no cristianismo


Dizem que o paganismo é uma religião de alegria e o cristianismo é de tristeza. Seria igualmente fácil provar que o paganismo é pura tristeza e o cristianismo pura alegria. Esses conflitos nada significam e não levam a lugar algum. Tudo o que é humano deve conter em si alegria e tristeza; a única questão que interessa é como os dois ingredientes são equilibrados e divididos. E a coisa realmente interessante é a seguinte, que o pagão sentia-se em geral cada vez mais feliz à medida que se aproximava da terra, mas cada vez mais triste à medida que se aproximava dos céus. 
A alegria do melhor paganismo, como na jocosidade de Catulo ou Teócrito, é, de fato, uma alegria eterna que nunca deve ser esquecida por uma humanidade grata. Mas é uma alegria totalmente voltada para os fatos da vida, não envolvendo a origem dela. Para o pagão, as menores coisas são doces como os menores riachos que irrompem da montanha; mas as coisas maiores são amargas como o mar. Quando o pagão olha para o verdadeiro âmago do cosmos, ele de súbito se sente gelado. Por trás dos deuses, que são meramente despóticos, sentam-se as parcas, que são mortais. Melhor dizendo, as parcas são piores que mortais; elas estão mortas.
E quando os racionalistas dizem que o mundo antigo era mais esclarecido que o mundo cristão, do seu ponto de vista eles estão certos. Pois quando dizem "esclarecido" querem dizer "obscurecido" por um incurável desespero. E profundamente verdadeiro que o mundo antigo era mais moderno do que o cristão. O vínculo comum está no fato de que os antigos e os modernos sentiram-se infelizes acerca da existência, acerca de todos os fatos da vida, ao passo que os medievais sentiam-se felizes pelo menos a respeito disso.
Admito francamente que os pagãos, assim como os modernos, eram apenas infelizes acerca da totalidade dos fatos da vida - eles eram muito alegres acerca de tudo o mais. Concedo que os cristãos da Idade Média viviam em paz com a totalidade dos fatos da vida - estavam em guerra com tudo o mais. Mas se a questão girar em torno do primeiro pivô do cosmos, então havia mais contentamento cósmico nas estreitas e sangrentas ruas de Florença do que no teatro de Atenas ou no jardim aberto de Epicuro. Giotto viveu numa cidade mais sombria do que Eurípides, mas ele viveu num universo mais alegre.
A massa humana tem sido forçada a sentir-se alegre acerca de coisas pequenas, mas a entristecer-se acerca de coisas grandes. Apesar disso (apresento o meu último dogma como uma provocação), não é natural para o homem ser assim. O homem se identifica mais consigo mesmo, é mais parecido com o homem quando a alegria é a coisa fundamental dentro dele e a dor é superficial. A melancolia deveria ser um inocente interlúdio, um estado de espírito delicado e fugaz; a pulsação permanente da alma deveria ser o louvor. O pessimismo é, na melhor das hipóteses, um meio-feriado emocional; a alegria é a ruidosa labuta pela qual vivem todas as coisas.
No entanto, de acordo com a aparente condição do homem na ótica do pagão ou do agnóstico, essa primeira necessidade da natureza humana nunca pode ser satisfeita. A alegria deveria ser expansiva; mas, para o agnóstico, ela deve ser contraída, deve restringir-se a alguém bem-sucedido neste mundo. A dor deveria ser uma concentração; mas, para o agnóstico, a desolação dela se espalha por uma eternidade inimaginável. Isso é o que chamo de nascer de cabeça para baixo. Pode-se na verdade dizer que o cético está de pernas para o ar, pois seus pés vão dançando virados para cima em vãos frenesis, enquanto o cérebro está no abismo.
Para o homem moderno, os céus estão realmente embaixo da terra. A explicação é simples: ele está de ponta-cabeça, o que constitui um pedestal pouco resistente para apoiar-se. Mas quando ele houver novamente descoberto os próprios pés, saberá disso. O cristianismo satisfaz de repente e à perfeição o instinto ancestral do homem de estar virado para cima; e o satisfaz plenamente neste sentido: com seu credo a alegria se torna algo gigantesco e a tristeza algo especial e pequeno.
A abóbada acima de nós não é surda porque o universo é um idiota: seu silêncio não é o silêncio sem piedade de um mundo sem fim e sem destino. O silêncio que nos cerca é antes uma pequena e compassiva quietude como a súbita quietude no quarto de um enfermo. Talvez a tragédia nos seja permitida como uma espécie de comédia benigna: porque a frenética energia das coisas divinas nos derrubaria como uma farsa de bêbados. Podemos aceitar as próprias lágrimas mais facilmente do que poderíamos aceitar a tremenda leveza dos anjos. Assim ficamos sentados talvez num quarto estrelado e silencioso, enquanto a risada dos céus é forte demais para os nossos ouvidos.
A alegria, que foi a pequena publicidade do pagão, é o gigantesco segredo do cristão. E no fechamento deste caótico volume torno a abrir o estranho livrinho do qual proveio o cristianismo; e novamente sinto-me assombrado por uma espécie de confirmação. A tremenda figura que enche os evangelhos ergue-se altaneira nesse respeito, como em todos os outros, acima de todos os pensadores que jamais se consideraram elevados.
A compaixão dele era natural, quase casual. Os estóicos, antigos e modernos, orgulhavam-se de ocultar as próprias lágrimas. Ele nunca ocultou as suas; mostrou-as claramente no rosto aberto ante qualquer visão do dia-a-dia, como a visão distante de sua cidade natal. No entanto,alguma coisa ele ocultou. Solenes superhomens e diplomatas imperiais orgulham-se de conter a própria ira. Ele nunca a conteve. Arremessou móveis pela escadaria frontal do Templo e perguntou aos homens como eles esperavam escapar da danação do inferno. No entanto, alguma coisa ele ocultou. Digo-o com reverência; havia naquela chocante personalidade um fio que deve ser chamado de timidez. Havia algo que ele encobria  constantemente por meio de um abrupto silêncio ou um súbito isolamento. Havia uma certa coisa que era demasiado grande para Deus nos mostrar quando ele pisou sobre esta nossa terra. As vezes imagino que era a sua alegria. 
Fonte: G. K. Chesterton, Ortodoxia, Editora Mundo Cristão, páginas 260 a 263

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Não estranhe o sofrimento – John MacArthur


Um dos fatores que mais nos ajudará a atravessar as mais difíceis provações é esperar por elas. E visto termos nascido para a aflição, pois somos pecadores caídos num mundo de pecadores caídos, é razoável não estranhar quando surgem os problemas. No contexto desta epístola, embora Pedro esteja se referindo mais precisamente à perseguição e à sua inevitabilidade, o assunto ainda é pertinente -

Pedro está repetindo as instruções concernentes aos sofrimentos advindos da perseguição que encontramos em outras passagens do Novo Testamento (Jo 15-16; 2 Tm 3.12; 1 Jo 3.13). As palavras e ações dos crentes testemunham contra um mundo ímpio. Deveria ser esperado que esse testemunho fizesse com que os ingratos e ofendidos incrédulos contra-atacassem, perseguindo os crentes embora nem sempre isto acontece. Mas tal reação faz parte do custo do discipulado, como já vimos anteriormente.

Embora Pedro esteja focalizando a perseguição como consequência de nossa fé e identificação com Jesus Cristo, a expressão "ardente prova", em 1 Pedro 4.12, pode referir-se a qualquer tipo de problema. Tanto no Novo quanto no Antigo Testamento em grego, a palavra traduzida por "ardente" é usada juntamente com o termo fornalha. No Antigo Testamento, este vocábulo se aplica a um forno para fundição de minérios, no qual o metal era derretido para ser purgado dos elementos estranhos. O Salmo 66.10 diz: "Pois tu, ó Deus, nos provaste; tu nos afinaste como se afina a prata". Entretanto, em 1 Pedro a ardente prova é símbolo da aflição destinada por Deus "para vos tentar" - para vos purificar.

Primeira Pedro 4.12 conclui com a indicação de que as aflições e perseguições não são alguma "coisa estranha", ou seja, fora do comum. Paulo afirma que todas as provações são comuns aos homens (1 Co 10.13). Em essência, Pedro nos está recomendando que não devemos estranhar as tribulações, como se estas estivessem acontecendo conosco por acaso. A perseguição, a aflição e os sofrimentos fazem parte da vida e não interferem com o plano de Deus. Tais problemas são comuns a todos - especialmente aos crentes obedientes e fiéis. 

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

O Lugar do Espírito Santo na Trindade



por John Piper
Durante uma série de mensagens com base no livro de Hebreus, alguém perguntou a respeito de meu ponto de vista sobre o Espírito Santo. A razão para isso é que o Espírito Santo não recebe tanta atenção quanto o Pai e o Filho. Este é um assunto difícil, mas tentei esclarecê-lo. Eis o que escrevi em resposta. 
Tenho enfatizado (a partir de textos como Hebreus 1.3; Colossenses 1.15; 2.9; Filipenses 2.6; 2 Coríntios 4.4 e João 1.1) que o Filho de Deus é o reflexo do próprio Deus Pai, em sua auto-consciência. Deus tem uma idéia perfeitamente clara e total de suas perfeições. Esta imagem de Deus é tão perfeita e completa, que é, na realidade, a manifestação de Deus, o Filho, uma pessoa com seus próprios direitos. 
Portanto, Deus Filho não é criado, nem formado. Ele é co-eterno com o Pai, porque o Pai sempre teve essa perfeita imagem de Si mesmo. O Filho é dependente do Pai, como uma imagem depende do original, mas não é inferior em qualquer atributo divino, porque é uma cópia viva e plena das perfeições do Pai. De fato, isto é um grande mistério — como uma idéia, um reflexo ou imagem do Pai pode realmente ser uma pessoa, com seus próprios direitos? — e não imagino que sou capaz de tornar o infinito completamente controlável.
Ora, o que dizer sobre o Espírito Santo? Acho proveitoso observar que a mente de Deus, refletida em nossa própria mente, tem duas faculdades: entendimento e vontade (tendo as emoções como os atos mais vívidos da vontade). Em outras palavras, antes da Criação, Deus podia relacionar-se consigo mesmo de duas maneiras: podia conhecer e amar a Si mesmo. Em conhecer a Si mesmo, Deus gerou o Filho, a perfeita, completa e total imagem pessoal dEle mesmo. Em amar a Si mesmo, o Espírito Santo procedeu do Pai e do Filho.
Portanto, o Filho é a eterna imagem que o Pai tem de suas próprias perfeições, e o Espírito Santo é o eterno amor que flui entre o Pai e o Filho, visto que se deleitam Um no Outro.

Como pode este amor ser uma pessoa em seus próprios méritos? As palavras falham, mas não podemos dizer que o amor entre o Pai e o Filho é tão perfeito, tão constante e envolve tão completamente o que o Pai e o Filho são em Si mesmos, que este amor se manifesta como uma Pessoa em seus próprios méritos?
C. S. Lewis tentou apresentar isso usando uma analogia — mas é somente uma analogia:

Você sabe que entre os seres humanos, quando se reúnem em família, ou num clube, ou numa sociedade comercial, as pessoas falam sobre o “espírito” daquela família, daquele clube ou daquela sociedade comercial. Elas falam sobre “espírito” porque os membros individuais, quando se reúnem, desenvolvem maneiras particulares de conversarem e se comportarem, maneiras que não teriam, se estivessem sozinhos. É como se uma personalidade coletiva viesse à existência. Na verdade, não é uma pessoa real: é apenas semelhante a uma pessoa. Mas essa é somente uma das diferenças entre Deus e nós. O que resulta da vida conjunta de Deus Pai e Deus Filho é uma Pessoa real; é, de fato, a Terceira das três Pessoas que são Deus.

Estes são mistérios profundos. Todavia, para amar e conhecer a Deus, considero proveitoso ter em mente, pelo menos, alguma concepção quando afirmo que existe somente um Deus e de que Ele existe em três Pessoas. É nosso dever e deleite adorar o nosso grande Deus, mas Ele não é honrado mediante adoração ignorante, pois isto seria uma charada. A adoração tem de se fundamentar em algum conhecimento. Do contrário, não é o verdadeiro Deus a quem adoramos.


Extraído do livro: Uma Vida Voltada para Deus, de John Piper.

Copyright: © Editora FIEL







domingo, 20 de novembro de 2011

Estou Interessado em Crescer? – J. I. Packer


Em 2Pedro 3.18, o crescimento na graça é apresentado não como uma opção, mas como uma necessidade; não como uma sugestão, mas como uma ordem. Pedro usa o verbo no imperativo: "Crescei na graça e no conhecimento de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo". Esta é a última ordem do apóstolo, escrita no último versículo de sua última carta, em um momento em que ele sabia que sua morte era iminente (2Pe 1.14). Assim, as suas últimas palavras carregam um peso e significado especiais. E como se Pedro estivesse nos dizendo: "Se vocês esquecerem tudo o que eu lhes disse, lembrem-se disto, pois é a coisa mais importante de tudo que lhes tenho dito". E assim, de fato, foi o que aconteceu, porque o pensamento que Pedro estava expressando ali era, na verdade, maior e mais rico do que já vimos. 

De Ryle, que neste ponto estava seguindo os puritanos, temos até aqui emprestado a frase "crescimento na graça" para indicar "crescimento nas graças" (virtudes, facetas do caráter cristão). Embora isto seja certamente parte do entendimento de Pedro, há muito mais a ser dito a esse respeito.

Crescer na graça e no conhecimento de Cristo significa:

•        firmar o entendimento que uma pessoa possui de toda a doutrina da graça que vimos nos capítulos 2o e 3o;

•        aprofundar o relacionamento de fé de uma pessoa com Cristo, e por meio dele, com o Pai e o Espírito, pelo envolvimento da santa Trindade, consciente e diretamente, em sua vida; e

• tornar-se mais parecido com Cristo à medida que o Espírito nos assemelha Aquele a quem contemplamos, levando-nos a orar para que sejamos como ele, ajamos de forma a imitá-lo e manifestemos nossa transformação progressiva em direção à sua imagem moral.

Obedecer esta ordem em uma base constante (que é o que Pedro tem em mente; "crescei" no imperativo para indicar um crescimento contínuo) é uma questão de ser um cristão consciente, e de tentar ser, em todo o tempo, mais cristão, em cada área da vida. Portanto, o crescimento na graça é a verdadeira obra da nossa vida, uma imensa e infindável tarefa. Uma vez que é uma questão de ordem, o que temos a fazer é nos submeter à ela, e trabalhar para cumpri-la da melhor forma possível. Isto é o verdadeiro discipulado. É assim que mostramos ser cristãos. O crescimento na graça é, assim, uma prova de fogo para todos nós.

Muitos cristãos, no entanto, parecem não crescer na graça, nem se preocupar em crescer. Ao que parece, eles se contentam com a sua estagnação ou até recuo espiritual. Isto é trágico. Por quê? Existem várias razões possíveis. Talvez eles nunca tenham lido as palavras de Pedro, nem tenham ouvido que Deus requer que cresçam na graça. As pessoas não têm consciência de coisas das quais são ignorantes. Ou talvez eles estejam.com um pé atrás por medo de que um compromisso sério para crescer na graça traga uma perturbação e mudança maior em sua vida - e isto provavelmente aconteceria. W. H. Auden testificou sobre o efeito paralisante desse temor em sua indiferente frase: "Preferimos a ruína à transformação".

Ou talvez eles estejam seguindo a sugestão dos cristãos à sua volta, que também não se preocupam em crescer na graça. Talvez tenham concluído que não precisam se preocupar com isso, sem levar em conta o que a Bíblia diz. Ou talvez tenham perdido o seu primeiro amor por Cristo e pelas coisas divinas e têm, como disse Paulo a Demas, "amado o presente século" (2Tm 4.10). Mas, qualquer que seja a razão, seu descaso é desobediente, errado, irresponsável e indefensável. Todos os cristãos têm a obrigação de crescer na graça e no conhecimento de Cristo.

Ao iniciar sua carta, Pedro especificou, de um modo muito claro, os pontos do compromisso de crescer na graça. "Por isso mesmo, vós, reunindo toda a vossa diligência, associai com a vossa fé a virtude; com a virtude, o conhecimento; com o conhecimento, o domínio próprio; com o domínio próprio, a perseverança; com a perseverança, a piedade; com a piedade, a fraternidade; com a fraternidade, o amor. Porque estas coisas, existindo em vós e em vós aumentando, fazem com que não sejais nem inativos, nem infrutuosos no pleno conhecimento de nosso Senhor Jesus Cristo" (2Pe 1.5-8). Observe como D, E e P (doutrina, experiência e prática) se encaixam aqui! Esta é uma fórmula que se aplica a tudo. Devo, portanto, encarar o fato de que este é o modo de vida para o qual sou chamado, e que entro em um estado impuro e doentio do coração no momento em que paro de esforçar-me, portanto, por crescer. E o que é verdade a meu respeito, é verdade a respeito de cada um de nós.

domingo, 13 de novembro de 2011

Para Onde Olhar Quando Você Está em Aflição


Tullian Tchividjian

Na igreja evangélica aconteceu uma mudança referente à maneira como pensamos no evangelho. Esta mudança não é desconectada da vida real. Ela nos afeta na vida cotidiana.

Em sua obra Paul: An Outline of His Theology (Paulo: Um Esboço de Sua Teologia), o famoso teólogo holandês Herman Ridderbos (1909-2007) resume esta mudança, que aconteceu depois de Calvino e Lutero. Foi uma mudança grande, mas sutil, no foco da salvação, movendo-o da realização externa de Cristo para a nossa apropriação interna:

Em Calvino e Lutero toda a ênfase recaía no evento redentor que aconteceu na morte e ressurreição de Cristo. Posteriormente, sob a influência do pietismo, do misticismo e do moralismo, a ênfase mudou para a apropriação pessoal da salvação dada em Cristo e para seu efeito moral e místico na vida do crente. Em harmonia com isso, na história da interpretação das epístolas de Paulo, o centro de gravidade mudou, cada vez mais, dos aspectos judiciais para os aspectos espirituais e éticos da pregação de Paulo. E surgiu uma concepção totalmente diferente das estruturas que fundamentam a pregação de Paulo.

Donald Bloesch fez uma observação semelhante quando escreveu: "Entre os evangélicos, maior atenção é dada não à justificação dos ímpios (que era o motivo básico da Reforma), e sim à santificação dos justos".

Essa mudança veio acompanhada de uma nova ênfase na vida interior do indivíduo. A questão subjetiva "O que eu estou fazendo?" se tornou mais predominante do que a questão objetiva "O que Jesus fez?" Como resultado disso, gerações de crentes aprenderam que o cristianismo era primariamente um estilo de vida; que a essência de nossa fé se centralizava em "como vivemos"; que o verdadeiro cristianismo era demonstrado na mudança moral que aconteceu no interior daqueles que tinham um "relacionamento pessoal com Jesus". Portanto, nossas realizações constantes por Jesus, e não o que Jesus fez perfeitamente por nós, se tornaram a ênfase de sermões, livros e conferências. O que eu preciso fazer e quem eu preciso ser se tornaram o fim principal.

Creiamos nisso ou não, a mudança de foco, do aspecto "judicial para o espiritual", do exterior para o interior, desencadeia consequências práticas. 

Quando estamos à beira do desespero, olhando para o abismo de trevas, experimentando uma noite sombria da alma, voltar-nos para a qualidade interior de nossa fé não nos trará esperança, nem livramento, nem alívio. Frequentemente, a nossa pregação (e o nosso aconselhamento) equivale a dar instruções de natação a um homem que está se afogando: "Patinhe mais forte, mexa as pernas mais rápido". Supomos que as pessoas têm o poder interior de fazer as escolhas certas, por isso nós as levamos para dentro de si mesmas. (Interessantemente, Martinho Lutero definiu o pecado como "a humanidade voltada para dentro de si mesma"). No entanto, como muitas pessoas já sabem, toda resposta interior fracassará dentro delas mesmas. Voltar-nos para o objeto exterior de nossa fé, ou seja, Cristo, e sua obra consumada em nosso favor é o único lugar onde achamos paz, orientação e ajuda. Em vez de direcionar-nos para algo dentro de nós, o evangelho sempre nos direciona a algo, a Alguém, fora de nós, onde achamos a segurança que tanto desejamos em tempos de dúvida e desespero. A segurança que anelamos quando tudo parece destroçar-se não virá em descobrirmos o consagrado "herói interior", mas somente em compreendermos que, não importando como nos sentimos ou o que estamos sofrendo, já fomos descobertos pelo "Herói exterior".

Como Sinclair Ferguson escreveu em seu livro The Christian Life (A Vida Cristã): "A verdadeira fé obtém seu caráter e sua qualidade do seu objeto e não de si mesma. A fé tira uma pessoa de si mesma e a leva a Cristo. Sua força, portanto, depende do caráter de Cristo. Até aqueles de nós que têm fé fraca possuem o mesmo Cristo poderoso que os outros crentes possuem!"

Por meio de seu Espírito, a contínua obra de Cristo em mim consiste em seu constante e diário trazer-me de volta à sua obra consumada por mim. A santificação se satisfaz na justificação, e não o contrário. O evangelho é as boas novas que anunciam a infalível dedicação de Cristo a nós, apesar de nossa falta de dedicação a ele. O evangelho não é uma ordem de nos segurarmos em Jesus. Pelo contrário, o evangelho é uma promessa de que, não importando quão fraca seja a nossa fé em tempos de depressão espiritual, Deus está sempre nos segurando.

Martinho Lutero usava uma expressa para se referir ao perigo que surge de colocarmos nossa esperança em qualquer coisa que há em nosso interior: monstrum incertitudinis (o monstro da incerteza). É um perigo que, desde a Queda, sempre aflige os cristãos, mas aflige especialmente os cristãos de nossa época altamente subjetivista. É um monstro que só pode ser destruído pelas promessas exteriores de Deus em Jesus.

Romanos 5.1 diz: "Justificados, pois, mediante a fé, temos paz com Deus por meio de nosso Senhor Jesus Cristo". Esta é uma paz genuína, edificada sobre uma mudança real em nossa posição diante de Deus – da posição de culpados diante de Deus, o juiz, para a posição de justos diante de Deus, nosso Pai. Esta é a segurança objetiva até do mais fraco dos crentes. É uma paz que descansa totalmente no fato de que já "fomos reconciliados com Deus mediante a morte do seu Filho" (v. 10); fomos justificados diante de Deus, de uma vez por todas, por meio da fé na obra consumada de Cristo. Esta paz produzirá sentimentos verdadeiros e ação resoluta. No entanto, esta paz com Deus, que Paulo descreve, repousa seguramente na obra de Cristo por nós, fora de nós. A verdade é esta: quanto mais eu olho para meu próprio coração em busca de paz, tanto menos a encontro. Por outro lado, quanto mais eu olho para Cristo e suas promessas em busca de paz, tanto mais a encontro.

Então, quando pressionados por todos os lados, olhemos para cima. Na administração de Deus, a única saída é sempre para cima, e não para dentro.

William Graham Tullian Tchividjian é o pastor da Igreja Presbiteriana Coral Ridge em Ft. Lauderdale, Florida. É professor visitante de Teologia no Reformed Theological Seminary e neto do conhecido pregador e evangelista Billy Graham. É formado em filosofia pela Universidade de Columbia e obteve seu M.Div peloReformed Theological Seminary. Tullian é autor de vários livros e contribui como um dos editors do jornal Leadership Journal. Ele é preletor em diversas conferência teológicas nos EUA e faz um programa de rádio, com meditações e pregações. É casado com Kim, com quem tem três filhos Gabe, Nate, e Genna.

Traduzido por: Wellington Ferreira
Editor: Tiago J. Santos Filho
Copyright©2011 Tullian Tchividjian
Copyright©2011 Editora Fiel
Traduzido do original em inglês: Where To Look When You're In Trouble – Extraído do Site: The Gospel Coalition.

terça-feira, 8 de novembro de 2011

Uma Palavra Mágica - J. I. Packer


A palavra reforma é mágica para meu coração, assim como sei que é para o seu. Dizemos reforma e imediatamente pensamos naquela época heróica do século dezesseis em que tantos eventos portentosos se deram que ainda chamejam em nossa imaginação.

Nossa Herança da Reforma

Pensamos, por exemplo, em Martinho Lutero pregando suas noventa e cinco teses na porta da Igreja do Castelo de Wittenberg, desafiando, conforme transpareceu, todo o sistema religioso do seu tempo. Pensamos em Lutero em Worms uns anos após, enfrentando o sagrado imperador romano e sendo ordenado a retirar seus desafios e seu testemunho da justificação pela fé.

A resposta famosa que deu ao imperador, aos nobres e aos dignitários eclesiásticos da Europa central foi essa: "A não ser que os senhores me provem pela Escritura e pela razão que eu estou errado, não poderei e não me disporei a voltar atrás. Minha consciência está sujeita à Palavra de Deus. Ir contra a consciência não é direito nem seguro. Aqui fico. E que Deus me ajude. Amém". Essas palavras magníficas têm ecoado até nós através dos séculos, e com justiça.

Lutero manteve-se firme em sua fé. Traduziu a Bíblia para o alemão e pregou e escreveu incansavelmente para difundir a mensagem do evangelho. Tornou-se o pioneiro da reforma. Seu nome certamente será honrado enquanto durar a História.

Lembramo-nos também de João Calvino, aquele erudito recatado que só queria ser um homem de letras que estivesse lendo e escrevendo livros durante a vida inteira. Mas o feroz Guillaume Farel de barba ruiva lhe disse que ele precisava se estabelecer em Genebra para ali tomar parte no trabalho da Reforma, e ele fez isso. Com apenas quatro horas de sono por noite, não só pregava sermões diariamente e se desincumbia de suas responsabilidades pastorais, como também labutava com a caneta, produzindo entre outras obras-primas as Institutas, essa grande declaração cristã que para muitos de nós ainda está numa classe à parte. Também escreveu comentários sobre a maioria dos livros da Bíblia, estabelecendo novos e elevados padrões de exposição fiel. Calvino faleceu aos cinqüenta e cinco anos, completamente esgotado — outro dos heróis de Deus.

Também nos vem à memória João Knox, obrigado a passar uns dois anos como escravo remador de galé por causa de suas atividades como reformador, e finalmente recompensado por algumas semanas extraordinárias durante as quais praticamente toda a Escócia aderiu à Reforma. De um dia para outro a Escócia tornou-se a nação tenazmente protestante que tem sido desde então.

Os mártires ingleses também nos vêm ao pensamento. Pelo mérito destaca-se em primeiro lugar William Tyndale, que desafiou o rei traduzindo a Bíblia. E acabou condenado à fogueira na Bélgica porque Henrique VIII alertou a Europa toda de que ele precisava ser morto.

Depois houve Thomas Cranmer, o arcebispo de Henrique em Cantuária, que aguardou até ser possível produzir uma confissão de fé reformada e um livro de orações reformado para a Igreja Anglicana. Mas cedo demais Eduardo VI, seu patrocinador real neste empreendimento, morreu, e Mary tornou-se rainha. Ela decidia levar a Inglaterra de volta à Roma. Mandou à fogueira uns 330 protestantes ingleses, incluindo cinco bispos — e Cranmer foi um deles. Jogaram-no na prisão, onde ele foi colocado sob pressão intolerável — hoje daríamos a isso o nome de lavagem cerebral. Por causa da pressão extrema, Cranmer retratou-se de suas convicções protestantes, assinando seis documentos nesse sentido poucos dias antes de morrer na fogueira. Tinham-lhe dito que se assinasse seria perdoado. Quando descobriu no dia seguinte que seria queimado vivo assim mesmo, passou a noite em claro retratando-se por escrito daquela primeira retratação. Leu isso em voz alta na Igreja de Saint Mary, em Oxford, na presença de seus acusadores estupefatos, que logo apressaram sua saída para a fogueira. Morreu estendendo a mão direita às chamas, assim cumprindo uma promessa daquela sua última fala: "E posto que minha mão ofendeu, escrevendo contrário a meu coração, minha mão será punida primeiro por isso; pois seja eu levado ao fogo, será queimada primeiro".

Estes casos de heroísmo cristão continuam vivos, assim como continuam preciosas as verdades pelas quais esses reformadores viveram e morreram. Então quando dizemos a reforma, naturalmente pensamos nos eventos e damos graças a Deus por eles. As riquezas de sabedoria entesouradas na teologia dos Reformadores são mais do que já temos dominado hoje, e a força altruísta do testemunho à verdade desses Reformadores nos é uma inspiração constante. É deles a fé pela qual eu vivo e pela qual espero morrer, e eu confio que isto seja verdade para você também. Graças a Deus pela Reforma!

terça-feira, 1 de novembro de 2011

Única proteção contra o erro - João Calvino (1509-1564)

Para que Alguém Possa Chegar a Deus, O Criador, É Necessário Que Tenha A Escritura Por Guia e Mestra.


O Verdadeiro Conhecimento de Deus está na Bíblia. 

Portanto, se bem que o fulgor que se projeta aos olhos de todos, no céu e na terra, retire totalmente toda base para a ingratidão dos homens - e ainda que Deus, para envolver o gênero humano na mesma culpa, mostre a todos esboçada nas criaturas, sua Divina Majestade -, é necessário, contudo, além disso, acrescentar outro recurso melhor, que nos dirija retamente ao próprio Criador do universo. Por isso, não foi em vão que Deus acrescentou a luz de Sua Palavra para fazer-Se conhecido para a salvação do homem. E considerou dignos deste privilégio a todos aqueles aos quais quis trazer, para perto de Si, mais aproximada e intimamente.
Ora, porque Deus via a mente de todos ser arrastada, de um lado para outro, por constante e imutável agitação - depois de escolher os judeus para Si, como povo especial -, cercou-os por todos os lados, para que não se extraviassem com os demais povos. E não é em vão que ele nos mantém, por meio do mesmo remédio, no puro conhecimento de Si próprio, porque, de outra forma, se desfariam bem rapidamente até mesmo os que parecem mais firmes do que os outros. É exatamente como acontece com pessoas idosas ou enfermas dos olhos, e a todos quantos sofre de visão embaraçada: se pusermos diante delas até mesmo um volume vistoso, ainda que reconheçam estar ali algo escrito, mal poderão, contudo, ajuntar duas palavras. Ajudadas, porém, com o auxílio de óculos, essas pessoas começarão a ler de maneira eficiente. Assim a Escritura, reunindo na nossa mente, o conhecimento de Deus - que, de outro modo, seria confuso fazendo desaparecer a escuridão -, mostra-nos, com clareza transparente, o Deus Verdadeiro.
Constitui, pois uma dádiva singular o fato de Deus - para instruir a igreja -, servir-Se não apenas de mestres mudos, mas, ainda, abrir sua boca sacrossanta para não simplesmente proclamar que se deve adorar a Deus, mas também, ao mesmo tempo, declarar que Ele é esse Deus a quem devemos adorar. E não ensina Ele meramente aos eleitos que devem obedecer a Deus, mas mostra-Se como Aquele a Quem eles devem obedecer. Este modo de agir Deus tem mantido para com sua igreja, desde o princípio, de modo que, afora essas evidências comuns, Ele aplicasse também a palavra que é a marca direta e segura para reconhecê-LO.

Nem é para se duvidar de que Adão, Noé, Abraão e os demais patriarcas - em função deste recurso - tenham conseguido mais íntimo conhecimento de Deus, fato que, de certo modo, os destingue dos incrédulos. Não estou falando ainda da doutrina da fé, pela qual eles haviam sido iluminados para a esperança da vida eterna. Ora, para que pudessem eles passar, da morte para a vida, foi necessário que eles conhecessem a Deus não apenas como Criador, mas também como Redentor, pois eles chegaram a conhecer a Deus desses dois modos, seguramente, através da Palavra.
Ora, pela ordem, veio primeiro aquela modalidade de conhecimento mediante o qual lhes foi dado compreender quem é Deus, por meio de Quem o mundo foi criado e é governado. Em seguida, acrescentou-se, depois, a outra modalidade de conhecimento, interior, porque só esse conhecimento vivifica as almas mortas e só por ele se conhece a Deus não apenas como Criador do universo, Autor e Árbitro único de todas as coisas que existem, mas também na Pessoa do Mediador, como Redentor. Contudo, porque não tratei ainda da queda do mundo e da corrupção da natureza, não apresento ainda, aqui, o remédio.
Devem lembrar-se, portanto, os leitores de que não farei ainda considerações a respeito do pacto, mediante o qual Deus adotou, para Si, os filhos de Abraão, mas tratarei ainda daquela parte da doutrina pela qual os fiéis sempre foram apropriadamente separados das pessoas profanas, por aquela doutrina se fundamenta em Cristo (e, por isso, deve ser abordada na seção Cristológica); Agora, entretanto, só focalizarei como se deve aprender, da Escritura, que Deus como Criador, se distingue - por meio de marcas seguras - de toda a inventada multidão de deuses. Oportunamente depois, a própria seqüência dos fatos conduzirá ao estudo da redenção. Embora devamos derivar muitos testemunhos do Novo Testamento, e outros testemunhos da lei e dos profetas - onde se faz clara referência a Cristo -, sabemos que todos estes testemunhos visam mostrar que Deus, o Artífice do universo, se torna patente na Escritura e nela também se ensina o que devemos pensar a respeito de Deus, para que não busquemos, por caminhos tortuosos, alguma divindade incerta.

A Bíblia é a Palavra de Deus Escrita
Quer Deus Se tenha feito conhecido, aos patriarcas, através de visões ou oráculos, quer tenha dado a conhecer - mediante a obra e ministério de homens -, aquilo que, depois, transmitiria a pósteros pelas próprias mãos, está fora de dúvida que Deus gravou, no coração deles, a firme certeza da doutrina, de modo que fossem convencidos de que procedia de Deus o que haviam aprendido. Por isso Deus, pela Sua Palavra, tornou a fé segura para sempre, fazendo-a superior a toda mera opinião. Finalmente para que em perpétua continuidade de doutrina, a verdade permanecesse no mundo, sobrevivendo a todos os séculos, quis Deus que esses mesmos oráculos - que deixou em depósito com os Patriarcas -, fossem registrados como em públicos instrumentos. Com este propósito foi promulgada a Lei, à qual se acrescentaram, depois, como intérpretes, os Profetas.

Ora, se bem que foi múltiplo o uso da lei - como se verá no lugar mais adequado -, na verdade, foi dada especialmente a Moisés e a todos os profetas (a responsabilidade de) ensinar o modo de reconciliação entre Deus e os homens, fato que levou Paulo a dizer que Cristo é o fim da Lei (Rm.10:4). Contudo, torno a afirmar que, além da apropriada doutrina da fé e do arrependimento - que apresenta Cristo como Mediador -, a Escritura adorna, com sinais e marcas inconfundíveis, o Deus Único e Verdadeiro como Criador e Governador do mundo, para que Ele não seja confundido com a espúria multidão de deuses.

Portanto, por mais que ao homem sério convenha levar em conta as obras de Deus - um vez que foi ele colocado no belíssimo teatro do mundo para ser espectador da obra divina -, contudo, para ele poder aproveitá-la melhor, precisa dar ouvido à Palavra. Por isso, não é de admirar que os que nasceram nas trevas endureçam, mais e mais, a sua sensibilidade, visto que muito poucos se submetem docilmente à Palavra de Deus, de maneira a respeitar os seus limites; ao contrário, antes se gloriam em sua presunção.

Mas, para que a verdadeira religião resplandeça em nós, é preciso que ela seja o ponto de partida da doutrina celeste, pois não pode provar se quer o mais leve gosto da reta e sã doutrina, senão aquele que se tornar discípulo da Escritura. Pois o princípio do verdadeiro entendimento vem do fato de abraçar-mos, reverentemente, o Deus testifica de Si mesmo na Escritura. Da obediência à Palavra de Deus nascem não somente a fé consumada e completa, em todos os seus aspectos, mas também todo reto conhecimento de Deus. E neste aspecto, fora de toda dúvida, Deus, com singular providência, levou em conta os mortais em todos os tempos.


A Bíblia é o Único Escudo que Nos Protege do Erro


De fato, se refletirmos quão acentuado é a tendência da mente humana para esquecer a Deus, quão grande é a inclinação dos homens para com toda espécie de erro e quão pronunciado é o gosto deles para forjar, a cada instante, novas fantasiosas religiões, poderemos perceber como foi necessário a autenticação escrita da doutrina celeste, para que ela não desaparecesse pelo esquecimento, nem se desfizesse pelo erro, nem fosse corrompida pela petulância dos homens.

Deste modo, como está sobejamente demonstrado, Deus providenciou o auxilio de Sua Palavra para todos aqueles aquém quis instruir de maneira eficaz, pois sabia ser insuficiente a impressão de Sua Imagem na estrutura do universo. Portanto, se desejamos, com seriedade, contemplar a Deus de forma genuína, precisamos trilhar a reta vereda indicada na Sua Palavra.

Importa irmos à Palavra na qual, de modo vivo e real, Deus Se apresenta a nós em função de Suas obras, ao mesmo tempo em que essas mesmas obras são apreciadas, não sendo o nosso julgamento corrompido, mas de acordo com a norma da verdade eterna. Se nos desviarmos da Palavra, como ainda há pouco frisei, mesmo que nos esforcemos com grande empenho - pelo fato de a corrida ser fora da pista - jamais conseguiremos atingir a meta. Devemos pensar que o esplendor da face divina, que até mesmo o Apóstolo Paulo reconhece ser inacessível (I Tm.6:16), é para nós um labirinto emaranhado, no qual só podemos entrar se, através dele, formos guiados pelo fio da Palavra. Por isso, é preferível andar mancando, ao longo deste caminho a correr velozmente fora dele!

É por isso que, não poucas vezes, nos Salmos 93, 96, 97 e outros, ensinando que devemos tirar do mundo as superstições, para que floresça a religião pura, Davi representa a Deus como Aquele que reina, dando a entender, pelo termo reinar, não o poder de que Deus está investido e que exerce no governo universal da natureza, mas significando a doutrina pela qual reivindica, para Si, a legítima soberania, visto que jamais se pode arrancar os erros do coração humano, enquanto nele não se implantar o verdadeiro conhecimento de Deus.


A Revelação da Bíblia é Superior a Revelação da Criação


Por isso, onde o mesmo profeta afirma que os céus proclamam a glória de Deus, que o firmamento anuncia as obras das Suas mãos e que a regular seqüência dos dias e das noites apregoa a Sua majestade (Sl19:1-2), em seguida faz menção de Sua Palavra: "A Lei do Senhor" diz ele, "é perfeita e restaura as almas; o testemunho do Senhor é fiel e dá sabedoria aos simples; os mandamentos do Senhor são retos e alegram o coração; o preceito do Senhor é puro e ilumina os olhos" (Sl19:7-8). Ora, ainda que faça referência a outros usos da Lei, assinala ele, contudo, de modo geral, que Deus ainda que em vão convide a Si todos os povos, pela contemplação de Suas obras, oferece a Escritura como a única escola de Seus filhos.

Idêntica é a maneira como o Profeta fala no Sl.29, porque, depois de discursar a respeito da terrível voz de Deus - que sacode a terra com trovões, ventanias, chuvas, furacões e tempestades, fazendo tremer as montanhas e despedaçando os cedros - acrescenta, ao final, que no santuário de Deus se cantam louvores, visto que os incrédulos são surdos a todas as vozes de Deus, que ressoam nos ares! Da mesma maneira conclui ele outro Salmo, onde descreve as espantosas ondas do mar: "Confirmados foram os Teus testemunhos; a santidade é, para sempre, a formosura do Teu templo"(Sl.93:5). Daí vem também o que Cristo disse à mulher samaritana (Jo.4:22): que a gente dela e os outros povos adoravam o que desconheciam; que só os judeus prestavam culto ao Deus verdadeiro!

Ora, já que a mente humana, por causa da sua estupidez, não pode chegar até Deus, a menos que seja guiada e sustentada por Sua Sagrada Palavra, com exceção dos judeus (que eram guiados pela Palavra) todos os mortais - pelo fato de buscarem a Deus sem a Palavra -, tiveram de vagar na estultície e no erro!

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

A perda que compensa...

















Associamos a ideia da perda quase sempre como se fosse um prejuízo, porém na realidade não é assim que acontece. O tempo mostra que algumas perdas são até necessárias no percurso de nossa vida. Perdemos o cordão umbilical quando nascemos e é assim, com uma perda, que iniciamos a nossa chegada neste mundo. De forma geral o tempo acaba se encarregando de amadurecer a nossa maneira de relacionar com essas perdas, sabendo que muitas vezes ganhamos com elas, entretanto não pretendemos também enumerá-las.

Se ganhamos com algumas perdas devemos tirar lições que possam nos trazer conhecimento e crescimento diante das situações na vida. Ao perder o cordão umbilical ganhamos uma identidade que se formará ao longo da nossa existência. Perdemos os dentes provisórios e ganhamos os permanentes. Perdemos a nossa infantilidade (ou meninice) para iniciar o nosso processo de maturidade. No entanto, nem toda perda vem seguida de um ganho. Quando se perde algo que se dá muita importância, ocorre um sentimento onde se revela o verdadeiro valor que aquilo tinha no sentido real da existência. Isto ocorre de modo geral quando se perde um familiar ou o que julgam ser um grande amor e isto traz um trauma que às vezes o tempo não consegue curar.

A morte ainda é o maior drama que o ser humano tem como desafio para enfrentar. E embora esta pergunta possa parecer contundente, quem desejaria morrer mesmo sabendo que foi justificado por Deus? Jesus disse em João 11:25 "...Quem crê em mim, ainda que esteja morto viverá". E em Mateus cap. 16:24 "Então Jesus disse aos seus discípulos: Se alguém quiser ir após mim, renuncie-se a si mesmo, tome sobre si a sua cruz e siga-me." 

Renunciar significa: Abrir mão de, desistir, recusar e ainda abandonar. Jesus disse que a renúncia de si mesmo seria o requisito da decisão para quem desejasse segui-lo. Renunciar a si mesmo é rejeitar aquilo que havia em nós de ruim, ou seja, perder essa nossa natureza má. No entanto, devemos ter o conhecimento de que Jesus não nos pede para renegar o que somos, porém que sejamos algo de bom, aquilo no qual nos convertemos, em seus discípulos.

No versículo seguinte, ainda em Mateus cap. 16:25 Jesus declara: "Porque aquele que quiser salvar a sua vida, perdê-la-á, e quem perder a sua vida por amor de mim, salva-la-á". Portanto, Jesus é o único caminho que conduz à vida e renunciar a si mesmo é necessário para não se desviar deste caminho. Renunciar significa abrir mão do pecado que havia em nós para viver uma nova vida. Recusar e ainda abandonar o velho eu é essencial para que Jesus reine em nós. Assim, devemos ter conhecimento da vontade de Deus e aceitar o plano original d'Ele para nós. Porque uma nova criatura surge quando se perde em nós o velho homem. Esta é realmente a perda que compensa...

Dia 06/09/11 no site de mesmo nome, Josemar Bessa publicou um post sobre o tema "O Cálice amargo vem de Deus" que eu republiquei dia 27/09/11, onde ele descreveu muito bem sobre as dádivas de Deus e as nossas perdas. Transcrevo aqui esta parte que será muito oportuna: "Tudo que recebemos é misericórdia! Misericórdia concedida, misericórdia continuada dia a dia, e misericórdia no tempo certo, retida."  Mais adiante ele disse: "Suas dádivas não compensam Sua falta; mas Sua presença compensa a perda de todas as dádivas". Isto nos incentivou a fazer essa reflexão. Valeu!