quarta-feira, 25 de abril de 2012

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Esses dias ouvi um pregador dizer que a palavra contente significa conteúdo e ainda que ela tem, na sua forma, a ideia de completo. Achei nos originais do grego que sua afirmação procedia e descobri que contentamento significa suficiência. Resolvi dar destaque a dois versos interessantes que encontrei.  

"Tendo, porém, sustento, e com que nos cobrirmos, estejamos com isso contentes". O nosso primeiro verso se encontra em I Timóteo 6:8 e relata nesse capítulo que as pessoas geralmente são bastante insaciáveis. Paulo, o apóstolo, disse nos versos seguintes que a tentação é um laço terrível e que o amor ao dinheiro é a raiz de todos os males. A ganância desmedida pelo que se possui tem levado muitas pessoas ao pecado e egoísmo.

Atualmente, creio que convivemos muito mais com a crise do ter do que naqueles dias. Nessa geração que vivemos quase sempre as pessoas são medidas por aquilo que tem, sem importar com o que elas são. Não queremos dizer aqui que o ter seja algo ruim ou que o ser deverá ser a única coisa possível para nós, não é isso. Jesus no sermão do monte disse aos seus discípulos que não se preocupassem com o dia de amanhã, pois a cada dia basta o seu mal.

Vamos ver em detalhes nosso segundo texto em Hebreus 13:5 "Seja a vossa vida sem avareza. Contentai-vos com as coisas que tendes; porque Ele tem dito: De maneira alguma te deixarei, nunca jamais te abandonarei".  

"Seja a vossa vida sem avareza". Ter qualidade de vida é uma necessidade, mas o apego exagerado por bens materiais pode ser nocivo. Não há na palavra de Deus nenhuma proibição de que se tenha posses. 

"Contentai-vos com as coisas que tendes". Essa exortação revela que estar em harmonia com o que se possui certamente trará contentamento, porque é a insatisfação que torna as pessoas escravas daquilo que elas possuem.

"Porque Ele tem dito: De maneira alguma te deixarei, nunca jamais te abandonarei". Essas palavras registradas aqui em Hebreus foram ditas por Deus a Josué no capítulo 1:5. Ocorreu após a morte de Moisés quando o povo de Israel havia passado pelo deserto e preparava para passar pelo Jordão.

Vamos ver esse verso Josué cap. 1:5 na íntegra, de acordo com a Nova Versão Internacional NIV (1984). "Ninguém será capaz de resistir a você todos os dias da sua vida. Como fui com Moisés, assim serei contigo; Eu nunca te deixarei, nem te desampararei". Josué acabava de receber a missão de tomar posse da terra que confirmava a benção que Deus havia prometido a eles. Foram essas as palavras que lhe deram ânimo, ele sabia que a Vida Abundante estava muito mais palpável que na saída do Egito.

Porém, dentre aquele povo que seguia com Moisés havia os murmuradores. O que identifica o murmurador é o descontentamento. Em Números 14:26-30 vemos que eles pereceram no deserto, pois foram impedidos pelo Senhor de entrar na Terra Prometida. Os murmuradores estavam sempre descontentes e como podemos ver na epístola de Judas no verso 16, eles andam segundo as suas paixões. São pessoas que não fazem parte nos planos de Deus.

Hoje o que mais se ouve é a reclamação das pessoas colocando a culpa dos seus desajustes nessa crise mundial ou global como dizem alguns. Mas, o maior conflito em que muitos crentes vivem é o financeiro e às vezes não é nem pelo descontrole, mas pelo seu estado de descontentamento.

Quando Josué ouviu o Senhor dizer que ninguém seria capaz de resistir a ele, se encheu de contentamento, porque aprendeu a viver dentro das situações adversas da vida. Josué creu que ninguém, mesmo que fossem gigantes seriam capazes de lhe resistir diante de Deus. Incentivado com as promessas e a presença de Deus em sua vida, confiava que no caminho do dever Deus lhe seria o Todo-Suficiente.

Nós não podemos perder a chance de que Deus opere Sua providência divina em nossa vida, pois como fez a Josué por certo fará também conosco. Se deixarmos o contentamento preencher o nosso interior, a nossa vida espiritual crescerá em graça e em misericórdia. Porque assim, o Senhor mesmo haverá de ser o conteúdo que teremos no nosso íntimo.  

quinta-feira, 19 de abril de 2012

Fuja do caminho da ilusão e hipocrisia – Jonathan Edwards (1703-1758)


Encontramo-nos numa situação em que Deus está de um lado e outra coisa do outro - e não podemos ter os dois. Precisamos escolher. Nossas escolhas práticas nessas situações mostram se amamos a Deus acima de tudo, ou não. "Recordar-te-ás de todo o caminho, pelo qual o Senhor teu Deus te guiou no deserto estes quarenta anos, para te humilhar, para te provar, para saber o que estava no teu coração, se guardarias ou não os seus mandamentos" (Deut. 8:2).

Estes testes são para nosso benefício, não o de Deus. Eleja sabe o que está em nossos corações. Ele nos defronta com situações de teste de modo que nós possamos saber o que está em nossos corações. Deus está nos educando, não a Si mesmo! Reconhecendo que esse é o modo pelo qual Deus nos ensina sobre nossos corações, damos prova que nossa prática é a verdadeira evidência de nossa sinceridade.

A prática cristã conduz o novo nascimento para a perfeição. Tiago diz que a obediência prática de Abraão aperfeiçoou sua fé. "Vês como a fé operava juntamente com as suas obras; com efeito, foi pelas obras que a fé se consumou" (Tg. 2:22). João diz que nossa obediência aperfeiçoa nosso amor por Deus: "Aquele que diz: eu o conheço, e não guarda os seus mandamentos, é mentiroso, e nele não está a verdade.

Aquele, entretanto, que guarda a sua palavra, nele verdadeiramente tem sido aperfeiçoado o amor de Deus" (I Jo. 2:4-5).

Assim, a prática cristã aperfeiçoa fé e amor. São como uma semente. A semente não chega à perfeição por ser plantada na terra. Nem por desenvolver raízes e brotos, ou por sair do chão, nem por desenvolver folhas e botões. Entretanto, quando produz frutos bons e maduros, chegou à perfeição - completou sua natureza. O mesmo ocorre com fé e amor e todos os outros dons. Chegam à perfeição em frutos bons e maduros da prática cristã. A prática, então, deve ser a melhor evidência de que esses dons existem.

As Escrituras dão mais ênfase à pratica do que a qualquer outra evidência de salvação. Espero que isso esteja claro agora. Temos que nos manter nessa ênfase. É perigoso dar importância a coisas que a Bíblia não endossa. Teremos perdido nosso equilíbrio bíblico se dermos maior importância aos sentimentos e experiências que não se expressem em obediência prática. Deus sabe o que é melhor para nós, e tem salientado certas coisas porque precisam ser salientadas. Se ignorarmos a ênfase clara, de Deus, na prática cristã, e insistirmos em outras coisas como testes de sinceridade, estamos no caminho da ilusão e hipocrisia.

As Escrituras falam muito claramente sobre a prática cristã como o verdadeiro teste de sinceridade. Não é como se isso fosse alguma doutrina obscura, somente mencionada algumas vezes em passagens difíceis. Suponhamos que Deus desse uma revelação nova hoje, e declarasse: "Conhecereis meus discípulos por isso, sabereis que são da verdade por isso, sabereis que são Meus por isso" - e então desse uma marca ou sinal especial. Não veríamos nisso um teste claro e enfático de sinceridade e salvação? Bem, isto é o que tem ocorrido! Deus tem falado dos céus - na Bíblia! Ele nos disse muitas e muitas vezes que a prática cristã é a prova mais alta e melhor da fé verdadeira. Vejam como Cristo repete isso no texto do capítulo 14 do Evangelho de João: "Se me amais, guardareis os meus mandamentos" (v. 15). "Aquele que tem os meus mandamentos e os guarda, esse é o que me ama" (v. 21). "Se alguém me ama, guardará a minha palavra" (v. 23). "Quem não me ama, não guarda as minhas palavras" (v. 24). E no capítulo 15: "Nisto é glorificado meu Pai, em que deis muito fruto; e assim vos tornareis meus discípulos" (v. 8). "Vós sois meus amigos, se fazeis o que eu vos mando" (v. 14). E encontramos a mesma coisa em I João: "Ora, sabemos que o temos conhecido por isto: se guardamos os seus mandamentos" (2:3). "Aquele, entretanto, que guarda a sua palavra, nele verdadeiramente tem sido aperfeiçoado o amor de Deus. Nisto sabemos que estamos nele" (2:5). "Não amemos de palavra, nem de língua, mas de fato e de verdade. E nisto conheceremos que somos da verdade" (3:18-9). Acaso não está claro? 

sábado, 14 de abril de 2012

O custo do não-discipulado



Ricardo Barbosa De Sousa


Em 1937, o teólogo alemão Dietrich Bonhoeffer publicou seu famoso livro “O Custo do Discipulado”. Uma exposição do Sermão do Monte, na qual ele comenta o que significa seguir a Cristo. O contexto era a Alemanha no início do nazismo. Sua preocupação era combater o que ele chamou de “graça barata”, essa graça que oferece perdão sem arrependimento, comunhão sem confissão, discipulado sem cruz. Uma graça que não implica obediência e submissão a Cristo. Seu compromisso com Cristo e sua cruz o levou a morte prematura em abril de 1945. 

“O Custo do Discipulado” é um livro que precisa ser lido pelos cristãos brasileiros do século 21, com sua fé secularizada, sua moral relativizada, sua ética minimalista e sua espiritualidade privada e narcisista. A “graça barata” tem nos levado a conceber um cristianismo medíocre e uma espiritualidade que não expressa a nobreza do reino de Deus. 

A fé cristã não é o produto de uma subcultura religiosa. Também não é apenas um conjunto de dogmas e doutrinas que afirmamos crer. É , antes de tudo, um chamado de Cristo para segui-lo. Um chamado para tomar, cada um, a sua cruz de renúncia ao pecado e obediência sincera a tudo quanto Cristo nos ensinou e ordenou. 

Muitos olham para este chamado e reconhecem que o preço para seguir a Cristo é muito alto. Esta foi a preocupação de Bonhoeffer. De fato é. Amar os inimigos, abençoar os que nos rejeitam, orar por todos os que nos perseguem, sem dúvida é muito difícil. Perdoar os que nos ofendem, resistir as tentações, buscar antes de qualquer outra coisa o reino de Deus e sua justiça e fazer a vontade de Deus aqui na terra como ela é feita nos céus, não é fácil. Resistir aos impulsos consumistas numa cultura hedonista, preservar uma conduta moral e ética elevada em meio a tanta corrupção e promiscuidade definitivamente tem um preço muito elevado. Porém, precisamos ver tudo isto por outro ângulo.

Se o custo do discipulado é alto, já imaginou o custo do não-discipulado? Se amar o inimigo é difícil, tente odiá-lo! Se honrar pai e mãe é custoso, pense na possibilidade de não fazê-lo! Se viver em obediência a Cristo, renunciando o pecado, exige muito, procure ignorar isto! 

Vivemos hoje uma sociedade enferma. O número de divórcios aumenta cada dia. O número de filhos que desconhecem o pai é alarmante. As doenças de fundo emocional multiplicam-se. A violência cresce. A corrupção parece não ter fim. Os transtornos psíquicos na infância assustam os especialistas. A raiz da enfermidade pessoal e social, em grande parte, é o não-discipulado. Não considerar os mandamentos de Cristo, seu magnífico ensino no Sermão do Monte, seu chamado para a renúncia ao pecado e a necessidade de diariamente tomar a cruz da obediência para segui-lo tem um custo incalculavelmente maior. 

Jesus nos conta a parábola de um homem que descobriu um grande tesouro que estava escondido em um campo. Com muita alegria, tomou tudo o que tinha, vendeu e, com o dinheiro, comprou o campo e com ele seu tesouro. Desfazer de tudo o que tinha foi uma decisão fácil tendo em vista o tesouro que iria adquirir. Só iremos compreender a importância da contrição e do arrependimento, da confissão e da renúncia ao pecado, da obediência aos mandamentos e do valor da cruz se tivermos consciência da riqueza que nos espera. 

Pagamos um alto preço pela “graça barata”. Nossas famílias sofrem por causa dela. Nossos filhos encontram-se confusos e perdidos. A nação afunda-se na lama da corrupção, da violência e da promiscuidade. Nossas igrejas transformaram-se em centros de entretenimento religioso, com um comércio de falsas promessas em troca de um evangelho sem cruz e de um reino onde cada um é seu próprio rei.

O chamado de Cristo para sermos seus discípulos, com seu “alto custo”, é o único caminho possível para a liberdade. A única opção para a verdadeira humanidade. A única esperança para nossa sociedade enferma. Se seguir a Cristo exige muito, lembre que não segui-lo vai lhe custar muito mais.

Nota
Artigo publicado originalmente na revista Ultimato 320 (setembro-outubro/2009). 

Ricardo Barbosa De Sousa é Pastor da Igreja Presbiteriana do Planalto e coordenador do Centro Cristão de Estudos, em Brasília. É autor de Janelas para a Vida O Caminho do Coração.


segunda-feira, 9 de abril de 2012

A Predestinação Divina – J. I. Packer


"Eu vos tenho amado", diz o SENHOR; "mas vós dizeis: Em que nos tens amado?' "Não foi Esaú irmão de Jacó?" — disse o SENHOR; "todavia amei a Jacó, porém aborreci a Esaú... " (Ml 1.2,3) 

Os quarenta ou mais escritores que produziram os sessenta e seis livros da Escritura no espaço de tempo aproximado de mil e quinhentos anos viram-se, e a seus leitores, envoltos na realização do propósito soberano de Deus para este mundo, propósito que o levou a criar, que o pecado depois rompeu, e que sua obra de redenção está presentemente restaurando. Esse propósito era, e é, em essência, a incessante expressão e gozo do amor entre Deus e suas criaturas racionais — amor manifesto em sua adoração, louvor, gratidão, honra, glória e serviço prestados a Ele, e na comunhão, privilégios, alegrias e dádivas que Ele lhes dá.

Os escritores lançam um olhar àquilo que já se fez para promover o plano salvífico no planeta terra danificado pelo pecado, e olham à frente o dia de sua completitude, quando o planeta terra será recriado com glória inimaginável (Is 65.17-25; 2 Pe 3.10-13; Ap 21.1-22.5). Eles proclamam Deus como o todo-poderoso Criador-Redentor e se apoiam constantemente nas multiformes obras da graça que Deus realiza na história para assegurar para si um povo, uma grande companhia de indivíduos reunidos, com os quais seu propósito original de dar e receber amor possa ser cumprido. E os escritores insistem que, como Deus se mostra absoluto no controle dos fatos ao conduzir seu plano ao ponto atingido no momento em que eles escrevem, assim Ele continuará com o total controle, executando todas as coisas de acordo com sua própria vontade, completando assim seu projeto redentor. É dentro desta moldura de referência (Ef 1.9-14; 2.4-10; 3.8-11; 4.11-16) que se inserem as questões sobre predestinação.

Predestinação é uma palavra frequentemente usada para significar a preordenação de Deus de todos os eventos da história universal, passados, presentes e futuros, e este uso é bem apropriado. Contudo, na Escritura e na linha teológica prevalecente, predestinação significa especificamente a decisão de Deus, tomada na eternidade antes da existência do mundo e de seus habitantes, com respeito ao destino final dos pecadores individuais. De fato, o Novo Testamento usa as palavras predestinação e eleição (ambas sinônimas), somente para indicar a escolha divina de pecadores particulares para a salvação e a vida eterna (Rm 8.29; Ef 1.4,5,11).

Muitos, entretanto, têm chamado a atenção para o fato de a Escritura também atribuir a Deus uma decisão antecipada sobre aqueles que não se salvarão (Rm 9.6-29; 1 Pe 2.8; Jd 4), e assim tornou-se comum na teologia protestante definir a predestinação de Deus como incluindo tanto a decisão de salvar alguns do pecado (eleição) como, paralelamente, sua decisão de condenar os restantes por seu pecado (reprovação).

À pergunta, "Sobre que base Deus escolhe indivíduos para a salvação?", responde-se ocasionalmente: com base em sua presciência de que, quando se defrontassem com o evangelho, eles escolheriam Cristo como seu Salvador. Nessa resposta, presciência significa uma previsão passiva da parte de Deus daquilo que os indivíduos se inclinam a fazer, sem que Ele predetermine sua ação. Porém

(a) Antever em Romanos 8.29; 11.2 (cf. 1 Pe 1.2 e 1.20, onde a Bíblia NVI traduz o grego antevisto por "escolhido") significa "amor prévio" e "designação prévia": não expressa a idéia de uma antecipação do espectador sobre o que acontecerá espontaneamente.

(b) Uma vez que todos estão naturalmente mortos em pecado (isto é, excluídos da vida de Deus e indiferentes a Ele), ninguém que ouve o evangelho jamais chegará ao arrependimento e à fé sem um toque íntimo que somente Deus pode transmitir (Ef 2.4-10). Jesus disse: "Ninguém poderá vir a mim, se pelo Pai não lhe for concedido" (Jo 6.65, cf. 44; 10.25-28). Os pecadores escolhem Cristo somente porque Deus os escolheu para essa escolha e os inspirou a fazê-lo pela renovação de seus corações.

Embora todos os atos humanos sejam livres no sentido de autodeterminados, nenhum deles está livre do controle de Deus, conforme seu eterno propósito e preordenação.

Os cristãos devem, portanto, agradecer a Deus sua conversão, olhar para Ele para que os guarde na graça para a qual os trouxe, e confiantemente esperar seu triunfo final, de acordo com seu plano.



quarta-feira, 4 de abril de 2012

Pregando a Cristo - R. C. Sproul



A igreja do século XXI enfrenta muitas crises. Uma das mais sérias é a crise de pregação. Filosofias de pregação amplamente diversas competem por aceitação no clero contemporâneo. Alguns veem o sermão como um discurso informal; outros, como um estímulo para saúde psicológica; outros, como um comentário sobre política contemporânea. Mas alguns ainda veem a exposição da Escritura Sagrada como um ingrediente necessário ao ofício de pregar. 

À luz desses pontos de vista, sempre é proveitoso ir ao Novo Testamento para procurar ou determinar o método e a mensagem da pregação apostólica apresentados no relato bíblico.

Em primeira instância, temos de distinguir entre dois tipos de pregação. A primeira tem sido chamada kerygma; a segunda,didache. Esta distinção se refere à diferença entre proclamação (kerygma) e ensino ou instrução (didache).

Parece que a estratégia da igreja apostólica era ganhar convertidos por meio da proclamação do evangelho. Uma vez que as pessoas respondiam ao evangelho, eram batizadas e recebidas na igreja visível. Elas se colocavam sob uma exposição regular e sistemática do ensino do apóstolos, por meio de pregação regular (homilias) e em grupos específicos de instrução catequética.

Na evangelização inicial da comunidade gentílica, os apóstolos não entraram em grandes detalhes sobre a história redentora no Antigo Testamento. Tal conhecimento era pressuposto entre os ouvintes judeus, mas não era argumentado entre os gentios. No entanto, mesmo para os ouvintes judeus, a ênfase central da pregação evangelística estava no anúncio de que o Messias já viera e inaugurara o reino de Deus.

Se tomássemos tempo para examinar os sermões dos apóstolos registrados no livro de Atos dos Apóstolos, veríamos neles uma estrutura comum e familiar. Nesta análise, podemos discernir a kerygma apostólica, a proclamação básica do evangelho. Nesta kerygma, o foco da pregação era a pessoa e a obra de Jesus. O próprio evangelho era chamado o evangelho de Jesus Cristo. O evangelho é sobre Jesus. Envolve a proclamação e a declaração do que Cristo realizou em sua vida, em sua morte e em sua ressurreição. Depois de serem pregados os detalhes da morte, da ressurreição e da ascensão de Jesus para a direita do Pai, os apóstolos chamavam as pessoas a se convertem a Cristo – a se arrependerem de seus pecados e receberem a Cristo, pela fé.

Quando procuramos inferir destes exemplos como a igreja apostólica realizou a evangelização, temos de perguntar: o que é apropriado para transferirmos os princípios da pregação apostólica para a igreja contemporânea? Algumas igrejas acreditam que é imprescindível o pastor pregar o evangelho ou comunicar a kerygma em todo sermão que ele pregar. Essa opinião vê a ênfase da pregação no domingo de manhã como uma ênfase de evangelização, de proclamação do evangelho. Hoje, muitos pregadores dizem que estão pregando o evangelho com regularidade, quando em alguns casos nunca pregaram o evangelho, de modo algum. O que eles chamam de evangelho não é a mensagem a respeito da pessoa e da obra de Cristo e de como sua obra consumada e seus benefícios podem ser apropriados pela pessoa, por meio da fé. Em vez disso, o evangelho de Cristo é substituído por promessas terapêuticas de uma vida de propósitos ou de ter realização pessoal por vir a Cristo. Em mensagens como essas, o foco está em nós, e não em Jesus.

Por outro lado, examinando o padrão de adoração da igreja primitiva, vemos que a assembleia semanal dos santos envolvia reunirem-se para adoração, comunhão, oração, celebração da Ceia do Senhor e dedicação ao ensino dos apóstolos. Se estivéssemos lá, veríamos que a pregação apostólica abrangia toda a história redentora e os principais assuntos da revelação divina, não se restringindo apenas à kerygma evangelística.

Portanto, a kerygma é a proclamação essencial da vida, morte, ressurreição, ascensão e governo de Jesus Cristo, bem como uma chamada à conversão e ao arrependimento. É esta kerygma que o Novo Testamento indica ser o poder de Deus para a salvação (Rm 1.16). Não pode haver nenhum substituto aceitável para ela. Quando a igreja perde sua kerygma, ela perde sua identidade.


R. C. Sproul nasceu em 1939, no estado da Pensilvânia. É ministro presbiteriano, pastor da Igreja St. Andrews Chapel, na Florida; fundador e presidente do ministério Ligonier, professor e palestrante em seminários e conferências; autor de dezenas de livros, vários deles publicados em português; possui um programa de rádio chamado: Renove sua Mente, o qual é transmitido para uma grande audiência nos EUA e para mais de 60 outros países; Suas graduações incluem passagem pelas seguintes universidades e centros de estudos teológicos: Westminster College, Pennsylvania, Pittsburgh Theological Seminary, Universidade livre de Amsterdã e Whitefield Theological Seminary. É casado com Vesta Ann e o casal tem dois filhos, já adultos. 


Traduzido por: Francisco Wellington Ferreira
Copyright © R. C. Sproul / Tabletalk Magazine
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