domingo, 22 de fevereiro de 2015

E os pobres, o que a Igreja está fazendo?


Por Silas José De Lima

O discurso de que o pobre carece de pão não é do pobre, e muito menos de Deus. Esse é um discurso de quem tem muito, um pouco de pão dado não lhe fará falta alguma. O que Deus pede é que compartilhemos o que temos, não apenas o excedente. Há muitos que compartilham o pão porque é tudo o que têm (1 Co. 8), mas há outros que compartilham o conhecimento, a generosidade, a amizade, a hospitalidade, o tempo e muitas outras coisas e habilidades (1 Coríntios 12).

Compartilhar é muito mais que dar, é oferecer ao outro a possibilidade de desfrutar dos mesmos benefícios e assumir as mesmas responsabilidades. Ao oferecer ao outro o compartilhamento do que se tem e ao aceitar o que o outro tem, dá-se a ele o que ele merece, dignidade. Ao compartilhar o que temos, oportunizamos ao outro a participação da nossa alegria e permitimo-nos participar da sua.

O compartilhamento dignifica o outro porque o torna igual, participante da mesma benção, sustentado pelo mesmo Deus. Há uma diversidade de dons que podem ser compartilhados. Ninguém é tão desprovido de dons que não tenha o que oferecer, pois “a cada um é dada a manifestação do Espírito, visando ao bem comum” (1 Co. 12.4). A alguns Deus deu o dom de serem especiais, de oportunizarem aos “abastados” a capacidade de amar sem permutas. A esses Jesus chamou carinhosamente de “meus pequeninos” (Mt. 10.42). Uma pessoa considerada incapaz, na verdade têm os maiores dons: simplicidade, gratidão, generosidade, humildade e aceitação dos cuidados dos outros. Essas pessoas oferecem aos seus cuidadores a alegria de encontrar sentido para suas vidas vazias.

Amar e servir o outro, nisso se resume os mandamentos de Deus. “Quem julga as pessoas não tem tempo pra amá-las” (Madre Tereza de Calcutá). Parafraseando, quem ama não tem tempo para julgar as pessoas. Quem ama se ocupa com a alegria de compartilhar o dom do Espírito.

A comunidade onde os dons de Deus são compartilhados se define como Igreja. Ser Igreja é ser a comunidade do compartilhamento. Sem o compartilhamento, o ajuntamento que chamamos de igreja é apenas a expressão de um reino que não é o de Deus, pois usam a carência para controlar as pessoas. Transformar pedra em pão é uma tentação do diabo, não um comportamento divino (Mt. 4.3-4). Mais que comida, os pobres precisam de dignidade. Uma igreja que não tem espaço para o pobre é porque perdeu o brilho da presença do Espírito Santo, se tornou uma empresa com metas e objetivos. A igreja local precisa se organizar como instituição, mas é preciso ter cuidado para não institucionalizar e perder o significado de ser igreja. “A igreja deve ser desinteressada para ser compartilhada” [1].

Nesse mundo, quem tem o poder econômico também tem o poder político. E esse sistema diabólico, econômico/político em que vivemos, cria um ambiente individualista onde o empoderamento se dá pelas posses. Os bens dão poder de manipulação, quando deveria redundar em alegria pela oportunidade dada por Deus para ajudar. Esse não é o sistema do Reino de Deus, mas do reino das trevas. A igreja deve ter cuidado para não se amoldar pelos valores desse reino.

No Reino de Deus, os bens são dádivas de Deus para circular e não para acumular. “Não acumulem para vocês tesouro na terra... Mas acumulem para vocês tesouro nos céus” (Mt. 6.19-20). A mensagem do evangelho subverte a mensagem do capitalismo: rico não é quem tem tesouro acumulado, mas quem gastou toda a sua fortuna para ajudar os outros, quem ousou compartilhar com os carentes o que lhe dava segurança (Mt. 19.21). E, sem segurança, se tornam iguais: todos dependentes da providência divina. Vivemos uma contradição, todos querem segurança, mas uma segurança que não seja compartilhada é ilusória. Nosso objetivo deve ser lutar pela plenitude do Reino de Deus, ai sim, todos terão segurança. O poder econômico pode nos livrar de agressão física, mas nos condiciona a exclusão social. Muitas casas são verdadeiras fortalezas, mas seus moradores sofrem uma violência velada que é pior que a física, são prisioneiros em casa, excluídos da sociedade.

Deus não condena a riqueza, mas a insensibilidade com a carência do outro. Foi o pecado da insensibilidade para com os necessitados que atraiu a destruição de Sodoma (Ez. 16.49). Se a igreja não se voltar para o evangelho de Cristo terá o mesmo fim. Quando a riqueza é benção, para quem possui e para quem não possui, não há o que se preocupar. Mas quando a riqueza possibilita a manipulação e a opressão dos pobres, ela é diabólica. A igreja enriquecida tende ao pecado da arrogância: “estou rico, adquiri riquezas e não preciso de nada” (Ap. 3.17). É preciso ser humilde para ouvir o grito de Deus: eu estou com fome, tenho sede, sou estrangeiro, necessito de roupas, estou enfermo, estou preso, e vocês, o que estão fazendo? (Mt. 25.35-36).

[1] CASTELLANOS, Sergio Ulloa. "A igreja como comunidade de saúde integral". In:SANTOS, H. N. "Dimensões do cuidado e aconselhamento pastoral". São Paulo: ASTE, 2008 (p. 111)


domingo, 15 de fevereiro de 2015

Fazer a diferença


Leonel Elizeu Valer Dos Santos


Quando certas pinceladas desbotam na aquarela dos sonhos podemos baixar a guarda, como se, a vida nos tivesse traído; ou, avaliar nossas expectativas; pois, quando doentias, sua morte está obrando nossa cura.

Quem aposta as fichas no número das quimeras, natural que ceife desilusões. Feito isso, uns se recolhem pra dentro da carapaça, atribuem a causa de seus desenganos a fatores alheios, ignorando que foram agentes das escolhas enganosas.

O maior dano da transferência de culpa não incide sobre nossos “culpados” eventuais; antes, sobre nós, ao tolher a necessária autocrítica, nos furtamos a escalar uns metros mais, na fenda da experiência, rumo ao cume da maturidade. Ela só advém ao custo de sangue, com o qual forja a devida têmpera.

Engana-se quem pensa que o mero curso do tempo amadurece almas! Muitas envelhecem verdes recusam-se a crescer ao preço de dores, decepções. Quando levamos um “toco” da vida, não é hora de cortarmos os pulsos, deprimirmos, ou, abdicarmos de bons valores, como se, não valessem à pena. Afinal, quem cultiva valores em busca de aplausos, no fundo, as palmas são o único bem que aprecia.

A boa índole nos serve, sobretudo, para os momentos maus; Quando não chove guardamos o guarda-chuva. Quem apregoa sua “filosofia” tipo: “Sou bom com quem é bom comigo”. Ou, “Todos estão roubando, por quê serei honesto?” embora possa pavonear-se em “fazer a diferença”, no fundo é só um medíocre que faz igual.
Nadar contra a corrente; arrostar os maus ventos e se manter íntegro, nisso reside a excelência do caráter. Quem condiciona o ser, às circunstâncias, no fundo, não é; apenas está.

Nesse tempo nebuloso, onde, até as mensagens “espirituais” não passam de profanas tentativas de negociatas com Deus, vale realçar a excelente postura do profeta Habacuque: “Porque ainda que a figueira não floresça, nem haja fruto na vide; ainda que decepcione o produto da oliveira, os campos não produzam mantimento; ainda que as ovelhas da malhada sejam arrebatadas e nos currais não haja gado; todavia eu me alegrarei no Senhor; exultarei no Deus da minha salvação.” Hc 3; 17 e 18 Eis um relacionamento maior que circunstâncias adversas!

Muitos jactam-se de “matar um leão por dia”, mas, facilmente fogem de um tigre de papel. Ocorre-me a fábula do bezerro “rejeitado”, Ele estava preso num curral, ao lado do qual passava longo brete; dentro desse, uma fila de animais saudáveis, gordos era “estimulada” a ir em frente.

O bichinho olhou aquilo e indignou-se com o “preconceito”; será por que sou magro, ou jovem demais, pensou. Também quero ir onde esses venturosos vão. Recuou um tanto e deu uma forte cabeçada nas tábuas que o limitavam, arrombou e entrou na fila. Era a fila do matadouro de um grande frigorífico.

Conosco, não raro, acontece igual. Nos indignamos contra certas “cercas”, por acharmos que o caminho dos outros serve para nós, embora, muitos conduzam à morte.
Quem quer realmente fazer a diferença precisa aprender a traçar seu rumo calcado em valores, não circunstâncias, nem, no som do berrante.

A sombra muda seu tamanho a cada instante, de acordo com o curso do sol; mas, isso não altera a estatura do corpo que a produz. Por irônico que pareça, faz a diferença apenas aquele que faz igual, quando a vida resolve mudar seu humor.
 
Fonte: http://www.ultimato.com.br/comunidade-conteudo/fazer-a-diferenca

sábado, 7 de fevereiro de 2015

Antes de decretar a falência do Carnaval...


                                          Por Hermes C. Fernandes

Antes de decretar a falência do Carnaval… deveríamos, como cristãos que somos, trabalhar pelo fim da comercialização da fé, pois a mesma, além de entristecer o coração de Deus, compromete nosso testemunho perante o mundo. Como podemos julgar o mundo, se não somos capazes de julgar a nós mesmos?

Antes de decretar a falência do Carnaval... deveríamos julgar a nós mesmos, removendo de nossos rostos as máscaras da hipocrisia religiosa, expondo-nos, assim, à verdadeira transformação empreendida pelo Espírito Santo. Afinal, onde está o Espírito do Senhor, aí há liberdade. Liberdade, sim. Não pra pecar. Mas pra ser transformado sem viver sob pressão de quem quer que seja. Liberdade de ser quem somos, sabendo que ninguém nos condenará. O Espírito só opera em nós quando temos o rosto descoberto...

Antes de decretar a falência do Carnaval... deveríamos tirar o chapéu para o trabalho social desempenhado por algumas escolas de samba em suas comunidades. Não fosse nosso corporativismo evangélico, poderíamos até aliar-nos a elas nesse esplêndido trabalho. O que não significa que endossemos tudo quanto é promovido por elas. Porém, não se pode jogar fora a criança com a água suja do banho.

Antes de decretar a falência do Carnaval... deveríamos corar de vergonha ante o nível de excelência alcançado nas apresentações das escolas, com samba-enredos bem elaborados, carros alegóricos exuberantes, organização impecável, etc. Enquanto nós, que nos achamos no direito de apontar-lhes o dedo, nos acomodamos à mediocridade. Basta ouvir as canções de louvor atuais para perceber a pobreza lírica e melódica, fruto de nossa preguiça e desleixo. Sem contar que nossa arte ‘gospel’ fica restrita à música, como se Deus tivesse alguma coisa contra outras expressões artísticas.

Antes de decretar a falência do Carnaval... deveríamos amar os foliões, compreendendo que aquela alegria ilusória é tudo o que eles possuem. Em vez de condená-los, que tal se compartilhássemos com eles a nossa alegria perene? Eles certamente perderiam qualquer interesse por algo que fosse menos que isso.  A maneira como nos referimos a eles e à sua festa, faz com que sejamos vistos como gente estraga-prazer. Duvido que no lugar de Jesus nos dispuséssemos a transformar água em vinho só pra que a festa não terminasse tão cedo.  Talvez entendêssemos melhor o que diz Provérbios 31:6-7, mas sem perder de vista o seu contexto imediato.

Antes de decretar a falência do Carnaval... decretemos a falência da nossa arrogância, de nossa presunção, de nossa religiosidade midiática, e de nosso egoísmo. Que prevaleça o amor, a humildade e o serviço ao nosso semelhante, mesmo quando este estiver atrás de uma fantasia, ou despudoradamente despido.

Fonte: http://www.hermesfernandes.com/2012/02/antes-de-decretar-falencia-do-carnaval.html

domingo, 1 de fevereiro de 2015

A Diferença entre Arrependimento e Fé!


O Arrependimento pode ser definido como a volta para Deus, em fé, a qual é indissoluvelmente associado, porém inconfundivelmente distinto.

Se bem que estas coisas todas são verdadeiras, contudo o termo arrependimento, em si, até onde posso alcançar das Escrituras, deve ser tomado em acepção diferente. Visto que querem confundir a fé com arrependimento, se põem em conflito com o que Paulo diz em Atos [20.21]: “Testificando a judeus e gentios o arrependimento para com Deus e a fé em Jesus Cristo”, onde enumera arrependimento e fé como duas coisas diversas. E então? Porventura pode o verdadeiro arrependimento subsistir à parte a fé? Absolutamente, não. Mas, embora não possam ser separados, devem, no entanto, ser distinguidos entre si. Da mesma forma que a fé não subsiste sem a esperança, e todavia fé e esperança são coisas diferentes, assim o arrependimento e a fé, embora sejam entre si ligados por um vínculo perpétuo, no entanto demandam que permaneçam unidos, e não confundidos.

Certamente não ignoro que sob o termo arrependimento se compreende toda a conversão a Deus, da qual a fé é parte não mínima; contudo, claramente se verá em que sentido se afirma isto, quando se explica sua força e natureza. O termo arrependimento foi, para os hebreus, derivado da palavra que significa expressamente conversão ou retorno; para os gregos, ele veio do vocábulo que quer dizer mudança da mente e de desígnio. À etimologia de um e outro desses dois termos não se enquadra mal o próprio fato, cuja síntese é que, emigrando de nós mesmos, nos voltemos para Deus; e, deposta a mente antiga, nos revistamos de uma nova. Isto posto, pelo menos em meu modo de julgar, não se poderá assim definir mal o arrependimento: é a verdadeira conversão de nossa vida a Deus, procedente de um sincero e real terror de Deus, que consiste da mortificação de nossa carne e do velho homem e da vivificação do Espírito.

Nesse sentido devem ser tomadas todas as alocuções com que ou os profetas outrora ou os apóstolos, mais tarde, exortavam os homens de seu tempo ao arrependimento. Pois, estavam pleiteando apenas que, confundidos por seus pecados e trespassados pelo medo do juízo divino, se prostrassem e se humilhassem diante desse contra quem haviam se revoltado e, em verdadeiro arrependimento, a seu reto caminho se volvessem. Por isso usaram esses termos indiscriminadamente, com o mesmo sentido: converter-se ou volver-se para o Senhor, arrepender-se e fazer penitência.

Quando até mesmo a História Sagrada diz que arrepender-se é ir após Deus, a saber, quando os homens, que não tinham a Deus em mínima conta, se esbaldavam em seus deleites, agora começam a obedecer-lhe à Palavra e se põem à disposição de seu Chefe para avançar aonde quer que ele os houver de chamar. E João Batista e Paulo usaram da expressão produzir frutos dignos de arrependimento [Lc 3.8; At 26.20; Rm 6.4] em lugar de levar uma vida que demonstre e comprove, em todas as ações, arrependimento desta natureza.

João Calvino (1509-1564)

Fonte: http://www.ocalvinista.com/2015/01/a-difrenca-entre-arrependimento-e-fe.html