sábado, 23 de julho de 2016

Dupla identidade



Por Leonel Elizeu Valer Dos Santos


“Aconteceu naqueles dias que, sendo Moisés já homem, saiu a seus irmãos, e atentou para as suas cargas; viu que um egípcio feria um hebreu, homem de seus irmãos. Olhou a um e outro lado, vendo que não havia ninguém, matou ao egípcio, e escondeu-o na areia.” Êx 2;11 e 12

Moisés em sua dupla identidade. Formalmente egípcio, sentimentalmente, hebreu. Passeava entre os escravos, como um supervisor de Faraó, mas, ao ver um dos de seu sangue ferido, a identidade formal sucumbiu ante o laço de sangue, matou ao soldado que era dos “seus”, para defender um dos seus irmãos.

A dupla identidade funciona em filmes de super-heróis, mas, na vida, mais dia, menos dia, o que somos, digo, aquilo que prepondera em nosso ser, assoma, sobretudo, em momentos de crise. Vulgarmente se diz: “A ocasião faz o ladrão”. Isso é falso! A ocasião é a crise que manifesta o ladrão que habita no interior do homem ambíguo, que encena ser honesto, mas, oculta um ladrão. O íntegro não sucumbe a ocasiões favoráveis, antes, mantém sua integridade. Jamais vi a ocasião presa por roubo, sempre é o ladrão o culpado.

Porém, agir de coração como hebreu e seguir com privilégios da Corte egípcia era quase impossível; assim, “olhou a um e outro lado, vendo que não havia ninguém ali, matou ao egípcio, e escondeu-o na areia.” Certificou-se de que não haveria testemunhas, depois, ocultou o cadáver tentando enterrar com ele, seu feito. Acontece que, o próprio irmão que defendera, espalhou a notícia. Tinham um defensor “egípcio”; “E tornou a sair no dia seguinte, eis que dois homens hebreus contendiam; e disse ao injusto: Por que feres a teu próximo? O qual disse: Quem te tem posto a ti por maioral e juiz sobre nós? Pensas matar-me, como mataste o egípcio? Então temeu Moisés, e disse: Certamente este negócio foi descoberto.” Vs 13 e 14

O anseio de ser bem quisto pelos dois povos ao mesmo tempo se revelara impossível, desde então. Como, quem fica sobre o muro acaba levando pedradas de ambos os lados, não ficou nem egípcio, nem hebreu, teve que fugir, acabou no deserto de Midiã. O que O Eterno fez depois, com ele, é outra história; por agora estamos analisando a dupla identidade.

Quantos são “Crentes” acariciando a um ser mundano dentro de si, e, à crise de uma tentação mais incisiva escandalizam a Obra de Deus? Ou, outros que, tendo sido salvos, por uma picuinha qualquer, voltaram as costas pra igreja, não conseguem agir mais como mundanos, levam uma vida dupla, nem ímpio, nem santo, apenas uma confusão que não serve cabalmente ao inimigo, nem, presta pra obra de Deus?

Tiago fez da duplicidade o tema de sua epístola. “Peça-a, ( sabedoria ) porém, com fé, em nada duvidando; porque o que duvida é semelhante à onda do mar, que é levada pelo vento, lançada de uma para outra parte. Não pense, tal homem, que receberá do Senhor alguma coisa. O homem de coração dobre é inconstante em todos os seus caminhos.” 1;6 a 8 O primeiro duplo, crente incrédulo, pede a coisa certa, e duvida. Não vai receber.

“Se alguém é ouvinte da palavra, não cumpridor, é semelhante ao homem que contempla ao espelho o seu rosto natural; porque contempla a si mesmo, vai-se, e logo esquece de como era.” O segundo duplo, o não praticante. A Palavra é boa como teoria, mas, na prática, prefere fazer as coisas do seu jeito mesmo.

Temos ainda o teórico, bom de propaganda e ruim de produto. “Meus irmãos, que aproveita se alguém disser que tem fé, e não tiver as obras? Porventura a fé pode salvá-lo?” 2;14 Nos lábios, amor, nos atos, indiferença.

O duplo de língua. “Com ela bendizemos a Deus Pai, com ela amaldiçoamos os homens, feitos à semelhança de Deus. De uma mesma boca procede bênção e maldição. Meus irmãos, não convém que isto se faça assim.” 3;9 e 10

Enfim, todas essas duplicidades são traços de um, que, como Moisés, ansiava pertencer a dois povos. Naquele caso era fisicamente mesmo. No nosso, a duplicidade possível é espiritual; Tiago resume: “Adúlteros e adúlteras, não sabeis que a amizade do mundo é inimizade contra Deus? Portanto, qualquer que quiser ser amigo do mundo constitui-se inimigo de Deus.” 4;4

Finalmente, uma tomada de posição: “Sujeitai-vos, pois, a Deus, resisti ao diabo, ele fugirá de vós. Chegai-vos a Deus, ele se chegará a vós. Alimpai as mãos, pecadores; vós de duplo ânimo, purificai os corações.” Tg 4;7 e 8

Se nossa escolha é a ditosa sina de ovelhas, que nossa dieta não seja de lobos; teríamos que comer a nós mesmos, numa autofagia espiritual.


Fonte: http://www.ultimato.com.br/comunidade-conteudo/dupla-identidade

domingo, 17 de julho de 2016

Todas as experiências Espirituais podem ser Falsificadas


Por Josemar Bessa


              - Olhemos isto tendo em vista o ensino de Jonathan Edwards -

Se alguém tem muitos tipos diferentes de inclinações espirituais, isso é outro sinal não confiável, que não pode ser usado para determinar se a sua espiritualidade é verdadeira ou falsa. Existem imitações de todas as afeições verdadeiras. A maioria de nós sabe que o amor, por exemplo, pode ser fingido facilmente. Namorados e namoradas que juraram amar-se de verdade mais tarde mostraram que seu 'amor" era paixão desenfreada ou interesse próprio grosseiro. Talvez nós mesmos tenhamos dito a outras pessoas que as amávamos, e só mais tarde percebemos que não sabíamos nem o mais elementar sobre o amor. A Bíblia está cheia dessas declarações de amor superficiais. Por exemplo, veio um mestre da lei que jurou a Jesus que o seguiria por onde quer que fosse. Mas quando Jesus replicou que nem sempre sabia se teria nem mesmo um quarto à noite, o homem foi embora (Mt 8.20). As multidões apregoaram sua devoção a Jesus, mas o abandonaram quando ele se tornou politicamente incorreto.

Arrependimento religioso do pecado também pode ser fingido. Faraó, por exemplo, parece ter-se arrependido sinceramente depois da sétima praga (granizo). Ele se lamentou diante de Moisés: "Esta vez pequei; o Senhor é justo, porém eu e o meu povo somos ímpios. Orai ao Senhor; pois já bastam estes grandes trovões e a chuva de pedras. Eu vos deixarei ir, e não ficareis mais aqui" (Êx 9.27-28). Assim que o granizo parou, porém, "tornou a pecar, e endureceu o seu coração" (Êx 9.34). Novamente recusou-se a deixar os israelitas sair do Egito.

Há relatos de adoração falsa na Bíblia. Lemos dos samaritanos no século VIII a.C, que "temiam o Senhor e, ao mesmo tempo, serviam aos seus próprios deuses" (2Rs 17.33). Gratidão e alegria também podem ser falsos. Pense nos ouvintes comparados ao solo pedregoso na parábola do semeador e da semente que Jesus contou. São pessoas que ouvem o evangelho e o recebem com gratidão e alegria, mas depois se desviam, quando vêm dificuldades e perseguição (Mt 13.20-21). Podemos dizer a mesma coisa de zelo e esperança. Os judeus do tempo de Paulo tinham "zelo por Deus, porém não com entendimento" (Rm 10.2). Os fariseus tinham a esperança convicta (a palavra expectativa está mais perto do significado do termo grego geralmente traduzido por "esperança") de que estavam indo para o céu, mas, de acordo com Jesus, eles estavam tristemente enganados (Mt 23.13-15).

Também é importante reconhecer que as afeições falsas geralmente andam juntas. Cada afeição falsa quase sempre faz parte de um conjunto. Veja as ações da multidão depois que Jesus ressuscitou Lázaro. Eles estavam cheios de várias afeições falsas. Eles se mostravam atraídos por Jesus, pois viajaram distâncias grandes para ouvi-lo, afirmaram amá-lo ao exclamar hosana, evidenciaram reverência ao colocar suas vestes exteriores no caminho para que ele pudesse pisar macio, cantaram cânticos de gratidão e louvor, e demonstraram ter zelo pelo reino de Deus quando exclamaram: "Bendito o que vem em nome do Senhor e que é Rei de Israel!" (Jo 12.13). O ruído dos seus cânticos e exclamações encheu o ar com o que parecia ser um júbilo santo. Por que as afeições falsas andam juntas? Porque, assim como o amor verdadeiro inspira várias outras afeições verdadeiras, o amor falso desperta muitas outras afeições falsas. Edwards definiu uma conversão falsa como uma constelação de afeições falsas. Em primeiro lugar, ele escreveu, a pessoa está aterrorizada e desesperada porque ouviu uma mensagem prometendo a condenação aos que não são convertidos. Imaginar os tormentos mentais e físicos do sofrimento eterno no inferno enche-a de horror. Em segundo lugar, Edwards acha que o diabo lhe envia uma visão ou voz prometendo-lhe salvação. "Você é um dos preferidos de Deus", sussurra o diabo. A pessoa imediatamente se enche de alegria e gratidão. Ela fica emocionada com a repentina suspensão da sentença e não consegue parar de falar aos outros sobre a misericórdia de Deus para com ela, insistindo com eles para que louvem a Deus. Ela reconhece que é indigna desse presente glorioso e fala abertamente de seu pecado.

Só que sua humildade recém-encontrada não é mais genuína que a do rei Saul. Ao ouvir que tinha sido escolhido como rei, ele protestou: "Porventura, não sou benjamita, da menor das tribos de Israel? E a minha família a menor de todas as famílias da tribo de Benjamim? Por que, pois, me falas com tais palavras?" (lSm 9.21). A falsa humildade tem uma semelhança esquisita com a humildade genuína que Davi mostrou quando foi escolhido para o trono: "Quem sou eu, Senhor Deus, e qual é a minha casa, para que me tenhas trazido até aqui?" (2Sm 7.18).

O novo "convertido" gosta de passar tempo com os que reconhecem sua conversão e sente o que ele imagina ser indignação justa por aqueles que não o fazem. Ele nega-se a si mesmo para promover sua nova causa e aqueles que o apóiam.

Infelizmente, diz Edwards, essa é uma conversão sem o verdadeiro arrependimento. Por isso ela é falsa. Muitas afeições religiosas são manifestas, mas elas são falsas, porque brotam do amor próprio, disfarçado de amor por Deus. Edwards diz que este padrão de experiência espiritual pode provir ou de influência demoníaca ou da natureza humana (dentro da tendência de aliviar o terror religioso e reforçar a auto-estima). João da Cruz, o grande escritor místico do século XVI, disse a mesma coisa. João escreveu que o diabo muitas vezes aumenta o fervor dos orgulhosos e transforma suas virtudes em vícios. Ao mesmo tempo João alertou que muitos desejos fortes em relação a Deus ou às coisas espirituais são simplesmente o resultado dos desejos humanos e naturais.

sábado, 9 de julho de 2016

O que podemos saber sobre Deus?


Por R. C. Sproul


O que podemos saber sobre Deus? Essa é a pergunta mais básica da teologia, pois o que podemos saber sobre Deus e se podemos saber algo sobre ele de fato determina o alcance e o conteúdo do nosso estudo. Aqui devemos considerar o ensinamento dos maiores teólogos da história, afirmaram a“compreensibilidade de Deus”. Ao usar o termo incompreensível, eles não se referem a algo que somos incapazes de compreender ou conhecer de fato. Teologicamente falando, dizer que Deus é incompreensível não significa dizer que Deus é totalmente desconhecido; quer dizer que nenhum de nós pode compreender Deus exaustivamente.

A incompreensibilidade está relacionada a um princípio fundamental da Reforma Protestante o finito não pode conter (ou entender) o infinito. Os seres humanos são criaturas finitas, portanto nossas mentes sempre trabalham a partir de uma perspectiva finita. Nós vivemos, movemos e existimos em um plano finito, mas Deus vive, move e existe no infinito. O nosso entendimento finito não pode conter um sujeito infinito; por isso, Deus é incompreensível. Este conceito representa uma espécie de freio a nos alertar para que não pensemos que captamos e dominamos cada detalhe sobre as coisas de Deus. A nossa finitude sempre limita nossa compreensão de Deus.

Se não compreendemos a doutrina da incompreensibilidade de Deus, podemos facilmente cair em dois erros graves. O primeiro erro diz que, uma vez que Deus é incompreensível, ele deve ser totalmente incognoscível, e qualquer coisa que dissermos sobre Deus é sem sentido. Mas o cristianismo afirma a racionalidade de Deus juntamente com a incompreensibilidade de Deus. Nossas mentes só podem ir até certo ponto na compreensão de Deus, e para conhecê-lo precisamos de sua revelação. Mas essa revelação é inteligível, não irracional. Não é conversa fiada, não é algo sem sentido. O Deus incompreensível se revelou verdadeiramente.

Aqui nós aludimos ao princípio reformacional de que Deus é ao mesmo tempo oculto e revelado. Há uma dimensão misteriosa de Deus que nós não conhecemos. No entanto, não somos deixados na escuridão, tateando em busca de um Deus escondido. Deus também se revelou, e isto é fundamental para a fé cristã. O cristianismo é uma religião revelada. Deus, o criador, revelou-se de maneira manifesta no glorioso teatro da natureza. Isto é o que chamamos de “revelação natural”. Deus também se revelou verbalmente. Ele falou, e nós temos sua Palavra escriturada na Bíblia. Aqui nós estamos falando sobre a revelação especial, a informação que Deus nos dá e que nunca poderíamos descobrir por conta própria.

Deus permanece incompreensível porque ele se revela sem revelar tudo o que há para saber sobre ele. “As coisas encobertas pertencem ao Senhor, nosso Deus, porém as reveladas nos pertencem, a nós e aos nossos filhos, para sempre” (Dt 29.29). Não é como se nós não tivéssemos nenhum conhecimento de Deus, ou como se tivéssemos conhecimento pleno de Deus; em vez disso, temos um conhecimento funcional de Deus que é útil e essencial para nossas vidas.

Isso levanta a questão de como podemos falar significativamente sobre o Deus incompreensível. Os teólogos têm uma tendência infeliz de oscilar entre dois polos. O polo do ceticismo, que foi considerado acima, assume que a nossa linguagem sobre Deus é totalmente sem sentido e não tem nenhum ponto de referência em relação a ele. O outro polo é uma forma de panteísmo que falsamente assume que capturamos ou abarcamos Deus. Nós nos desviamos desses erros quando entendemos que nossa linguagem sobre Deus é construída por analogia. Podemos dizer como Deus se parece, mas assim que nós igualamos o que quer que usemos para descrever Deus com a sua essência, cometemos o erro de pensar que o finito pode conter o infinito.

Historicamente, vemos o vacilar entre os dois erros já referidos no liberalismo protestante e na neo-ortodoxia. A teologia liberal do século XIX identificou Deus com o fluxo da história e com a natureza. Promoveu um panteísmo em que tudo era Deus e Deus era tudo. Contra esse pano de fundo, a neo-ortodoxia se opôs a identificar Deus com a criação, e procurou restaurar a transcendência de Deus. Em seu zelo, teólogos neo-ortodoxos falaram de Deus como “totalmente outro”. Essa ideia é problemática. Se Deus é totalmente outro, como se conhece qualquer coisa sobre ele? Sendo Deus totalmente diferente de nós, como ele poderia se revelar? Que meios ele poderia usar? Ele poderia se revelar através de um pôr do sol? Ele poderia se revelar através de Jesus de Nazaré? Se ele fosse totalmente diferente dos seres humanos, que base comum para a comunicação entre Deus e a humanidade poderia haver? Se Deus é totalmente diferente de nós, ele não tem nenhuma maneira de falar conosco.

O entendimento de que nos relacionamos com o Senhor por meio de analogia resolve o problema. Há um ponto de contato entre o homem e Deus. A Bíblia nos diz que somos criados à imagem de Deus (Gn 1.26-28). Em certo sentido, os seres humanos são semelhantes a Deus. Isso torna possível a comunicação. Deus colocou essa capacidade de comunicação na criação. Nós não somos Deus, mas somos semelhantes a ele porque carregamos sua imagem e somos feitos à sua semelhança. Portanto, Deus pode se revelar a nós, não em sua língua, mas na nossa. Ele pode falar conosco. Ele pode se comunicar de uma maneira que podemos entender; não completamente, mas real e significativamente. Se você se livrar da analogia, acabará no ceticismo.


R. C. Sproul nasceu em 1939, no estado da Pensilvânia. É ministro presbiteriano, pastor da igreja St. Andrews Chapel, na Flórida. É fundador e presidente do ministério Ligonier, professor e palestrante em seminários e conferências, autor de mais de sessenta livros, vários deles publicados em português, e editor geral da Reformation Study Bible.

Tradução: João Paulo Aragão da Guia Oliveira. Revisão: Yago Martins. © 2016 Ministério Fiel. Todos os direitos reservados. Website:MinisterioFiel.com.br Original: O que podemos saber sobre Deus?