sábado, 31 de março de 2012

Eleitos para a Santidade - João Calvino (1509-1564)



Assim como nos elegeu nele (Ef 1.4). Aqui, o apóstolo declara que a eterna eleição divina é o fundamento e causa primeira, tanto de nosso chamamento como de todos os benefícios que de Deus recebemos. Se se nos pede a razão por que Deus nos chamou a participar do evangelho, por que diariamente ele nos concede bênçãos em grande profusão, por que ele nos abre os portões celestiais, teremos sempre que retroceder a este princípio, ou seja: que Deus nos elegeu antes que o mundo viesse à existência. O próprio tempo da eleição revela que ela é gratuita; pois, o que poderíamos merecer, ou em que consistiria o nosso mérito, antes que o mundo fosse criado? Pois quão pueril é o raciocínio sofistico, o qual afirma que não fomos eleitos porque já éramos dignos, e, sim, porque Deus previra que seríamos dignos. Todos nós estamos perdidos em Adão; portanto, Deus não poderia ter-nos salvo de perecermos por meio de sua própria eleição, se não havia nada para ser previsto. O mesmo argumento é usado em Romanos, onde, ao falar de Jacó e Esaú, diz ele: "E ainda não eram os gêmeos nascidos, nem tinham praticado o bem ou o mal" [Rm 9.11]. Embora, porém, eles ainda não tivessem agido, algum sofista da Sorbonne poderia replicar: "Deus previra o que eles poderiam fazer." Tal objeção não possui força alguma à luz da natureza corrupta do homem, em quem nada pode ser visto senão matérias para a destruição.

Ao acrescentar: em Cristo, estamos diante da segunda confirmação da soberania da eleição. Porque, se somos eleitos em Cristo, tal fato se encontra fora de nós próprios. Isso não tem por base nosso merecimento, e, sim, porque nosso Pai celestial nos enxertou, através da bênção da adoção, no Corpo de Cristo. Em suma, o nome de Cristo inclui todo mérito, bem como tudo quanto os homens possuem de si próprios; pois quando o apóstolo diz que somos eleitos em Cristo, segue-se que em nós mesmos não existe dignidade alguma.

Para que pudéssemos ser santos. O apóstolo indica o propósito imediato, não, porém, o principal. Pois não existe qualquer absurdo em supor-se que uma coisa possua dois objetivos. O propósito em realizar uma construção é para que haja uma casa. Esse é o alvo imediato. Mas a conveniência de se habitar nela é o alvo último. Era necessário mencionar-se isso de passagem; pois Paulo de imediato menciona outro alvo - a glória de Deus. Todavia, não há nenhuma contradição aqui. A glória de Deus é a finalidade mais elevada, à qual a nossa santificação está subordinada.

Desse fato inferimos que a santidade, a inocência, e assim toda e qualquer virtude que porventura exista no homem, são frutos da eleição. E assim uma vez mais Paulo expressamente põe de lado toda e qualquer consideração de mérito [humano]. Se Deus houvera previsto em nós tudo o que porventura fosse digno de eleição, então se diria precisamente o contrário.

Pois a intenção de Paulo é que toda a nossa santidade e inocência de vida emanam da eleição divina. Como explicar, pois, que alguns homens são piedosos e vivem no temor do Senhor, enquanto que outros se entregam sem reservas a toda espécie de perversidade? Se Paulo merece credibilidade, a única razão é que os últimos conservam sua disposição natural, enquanto que os primeiros foram eleitos para a santidade. Certamente que a causa não segue o efeito, e portanto a eleição não depende da justiça que vem das obras, a qual Paulo declara aqui ser a causa.

Além do mais, nessa cláusula ele quis dizer que a eleição não abre as portas à licenciosidade, como que dando aos ímpios ocasião a que blasfemem e digam: "Vivamos da maneira que nos agrade, pois se já fomos eleitos, é impossível que venhamos a perecer." O apóstolo está afirmando-lhes claramente que é uma atitude ímpia dissociar a santidade de vida da graça da eleição; porquanto Deus chama e justifica a todos aqueles a quem ele elegeu. É igualmente sem fundamento a inferência que os cataristas, os celestinos e os donatistas extraíram destas palavras, ou seja: que nos é impossível atingir a perfeição nesta vida. Esse é o alvo em direção ao qual devemos manter todo o curso de nossa vida; nunca, porém, o atingiremos até que nossa corrida haja terminado. Onde estão os homens que se espantam e evitam a doutrina da predestinação como sendo um confuso labirinto, que a reputam como sendo inútil e mesmo quase nociva? Nenhuma doutrina é mais útil e proveitosa quando utilizada de forma adequada e sóbria, ou seja, como Paulo o faz aqui, ao apresentar ele a consideração da infinita munificência de Deus e estimular-nos a render graças. Essa é a legítima fonte da qual devemos extrair nosso conhecimento da misericórdia divina. Se os homens usassem um outro argumento, a eleição fecharia sua boca, para que não se atrevam e não reivindiquem nada para si próprios. Lembremo-nos, porém, do propósito para o qual Paulo discute a predestinação, a fim de que, arrazoando com algum outro objetivo, não sigamos arriscadamente algum desvio.

Diante dele em amor. Santidade, aos olhos de Deus, tem a ver com uma consciência pura; pois Deus não é enganado, à semelhança dos homens, pela pretensão externa; ele, porém, olha para a fé, ou seja, para a veracidade do coração. Se você atribuir a Deus a palavra 'amor', então significa que a única razão pela qual ele nos elegeu foi o seu amor pela humanidade. Prefiro, porém, considerar o amor à luz da última parte do versículo, ou seja: que a perfeição dos crentes consiste no amor; não que Deus requeira somente amor, mas que ele é uma evidência do temor de Deus e da obediência a toda a lei.

terça-feira, 27 de março de 2012

Sincretismo – R. C. Sproul



Sincretismo é o processo pelo qual aspectos de uma religião são assimilados ou misturados com outra, levando a mudanças fundamentais em ambas. 

1 Reis 16.29-34; 1 Coríntios 10.14-23; 2 Coríntios 6.14-18; Gálatas 3.1-14; Colossenses 2.8; 1 João 5.19-21.
        
No Antigo Testamento, Deus estava profundamente preocupado com a pressão e a tentação do sincretismo. Enquanto o povo de Israel se movia em direção à Terra Prometida, foi confrontado com religiões pagãs. Os deuses cananeus, Baal e Aserá, tornaram-se objetos da devoção dos israelitas. Posteriormente, o povo de Deus adorou os deuses nacionais da Assíria e Babilônia. A Lei de Deus advertia claramente a Israel não somente contra abandonar o Senhor Deus por outros deuses, mas também contra adorar outros deuses juntamente com o verdadeiro Deus. Os profetas advertiram quanto aos juízos que viriam porque o povo modificava sua fé para acomodar doutrinas e práticas estrangeiras.

O período do Novo Testamento foi marcado por um sincretismo difuso. À medida que o Império Grego se expandia, seus deuses se mesclavam com os deuses nativos das nações conquistadas. O Império Romano também era receptivo a toda sorte de cultos e religiões místicas. O cristianismo não ficou incólume. Os pais da Igreja não só difundiram o evangelho, mas também lutaram para proteger sua integridade. O maniqueísmo (filosofia dualística que via o físico como sendo mau) insinuou-se em algumas doutrinas. O docetismo (ensino que negava que Jesus tinha um corpo físico) foi um problema mesmo enquanto o Novo Testamento estava sendo escrito. Muitas formas de neoplatonismo fizeram um esforço consciente para combinar os elementos da religião cristã com a filosofia platônica e o dualismo oriental. A história dos credos cristãos é a história do povo de Deus buscando separar-se das tramas das religiões e filosofias pagãs.

A Igreja hoje ainda enfrenta o mesmo problema. Filosofias não-cristãs, como o marxismo ou o existencialismo buscam o poder do cristianismo enquanto renunciam àquilo que é unicamente cristão. O sincretismo continua sendo poderosa ferramenta para separar Deus de seu povo.

Todas as gerações de cristãos enfrentam a tentação do sincretismo. Em nosso desejo de "estar por dentro" ou de sermos atuais em nossas práticas e convicções, chegamos ao ponto de ceder à tentação de viver conformados aos padrões deste mundo. Aceitamos práticas e ideias pagãs e buscamos "batizá-las". Mesmo quando confrontamos e enfrentamos religiões e filosofias pagãs, tendemos a deixar-nos ser influenciados por elas. Todo elemento estranho que se insinua na fé e prática cristãs é um elemento que enfraquece a pureza da fé.

sábado, 24 de março de 2012

Não Um Dos, E Sim O


Kevin DeYoung

Há uma pergunta fundamental que todos nós temos de enfrentar. Por "fundamental", não quero dizer que ela é a única pergunta que temos de responder. O que pretendo dizer é que esta pergunta é tão importante que, se você a entende errado, você entenderá errado a maioria das coisas que são realmente importantes. A pergunta fundamental é aquela famosa pergunta que Jesus fez aos discípulos em Cesareia de Filipe: "Vós, quem dizeis que eu sou?" (Mc 8.29).  

Talvez alguns se surpreendam com o fato de que Jesus fez esta pergunta. A pergunta fundamental para Jesus não é "Quem são os seus pais?", ou "Você tem mente aberta?", ou "O que você fará para mim?" A pergunta fundamental diz respeito ao que você crê. Jesus está interessado na fé e começa com doutrina.

Há pouco tempo, enquanto eu andava por um ponte que fica perto de nossa igreja, vi um grafite que dizia: "Eu não preciso de religião. Eu tenho uma consciência". Posso apenas imaginar o que aquele grafiteiro estava tentando dizer, mas penso que ele (ou ela) admite que a religião é apenas um truque para levar as pessoas a se reorientarem e se comportarem melhor. A religião é para ele nada mais do que um código moral para se fazer o bem. E quem precisa de um código religioso, com todos os seus rituais e acessórios institucionais, se tem uma consciência?

No entanto, o grafiteiro entendeu muito mal o cristianismo. A pergunta fundamental para Jesus não é "Você fará o que eu quero que você faça?", e sim "O que você diz que eu sou?" Tudo flui de um entendimento correto sobre Jesus – não somente o que ele ensinou ou o que ele fez, mas quem ele é.

Inicialmente, Jesus perguntou aos discípulos: "Quem dizem os homens que sou eu?" (Mc 8.27). Em outras palavras: "O que vocês estão ouvindo as pessoas dizerem sobre mim? O que elas falam nas ruas?" Os discípulos deram três respostas: "Uns estão convencidos de que tu és João Batista; outros acham que tu és Elias. E existem outros que não têm certeza e pensam que tu és um dos profetas". Isso é impressionante. Aquelas pessoas reconheceram que Jesus era um homem que ensinava o caminho de Deus, um líder que chamava o povo de volta para Deus. Sabiam que Jesus fazia milagres como Elias, falava com autoridade como os profetas e tinha seguidores como João. Nada mau. Chamar Jesus de "um dos profetas", depois de quatro séculos de anos silenciosos, após Malaquias, é uma afirmação impressionante.

No entanto, as multidões estavam muito erradas. Jesus não é um dos; ele é o. Jesus não é um apontador como João Batista, Elias ou um dos profetas. Ele é o ponto. Parece muito nobre chamar Jesus de um profeta, um mestre popular, um realizador de maravilhas, um homem bom, um exemplo brilhante ou uma parte de uma extensa lista de pessoas iluminadas. Contudo, todas essas descrições erram no que diz respeito a quem é Jesus. Em todas elas, você está dizendo que Jesus é um dos (cf. v. 28). E, se você diz que Jesus é apenas um dos e não o, você não o entendeu. Você não percebe quem ele realmente é. Jesus é o Cristo, o Filho do Deus vivo (Mt 16.16).

Talvez você pense que esteja dizendo coisas complementares sobre Jesus, quando o chama de um dos profetas, um grande homem ou um mestre iluminado. Contudo, você não o está realmente complementando. É como dizer que o sol é uma das muitas luzes que usamos para iluminar a casa, que Michael Jordan costumava jogar basquete para os Bulls ou que Barack Obama possui uma casa em Chicago. Essas afirmações são todas verdadeiras. Mas são também falsas porque não dizem o bastante. O sol é a estrela de nosso sistema solar. Michael Jordan é o melhor jogador de basquete de todos os tempos. Barack Obama é o presidente dos Estados Unidos. Se você não diz essas coisas, não está dizendo o que é realmente importante. Por não dizer o que é mais importante e mais singular, você está, na verdade, dizendo algo enganador.

No que diz respeito a identificar Jesus, verdades parciais que ignoram a verdade maior acabam contando uma mentira. É verdade que Jesus é um profeta (Mc 6.4; Dt 18.18). Mas ele não é como João Batista. Jesus não é outro Elias. Ele não é meramente um dos profetas. Jesus é aquele para quem todos os outros profetas apontavam. Por isso, chamar Jesus de profeta e nada mais do que um profeta equivale a não compreender, no nível mais profundo, quem é este homem. Se você descrevesse sua esposa como "uma mulher bonita entre muitas mulheres bonitas no mundo", como "uma pessoa que eu respeito profundamente" ou como "a última numa extensa lista de mulheres que amei", a sua esposa ficaria satisfeita? É claro que não. Você a teria menosprezado com elogios fracos. Você a teria insultado por diminuir sua singularidade e descrevê-la em termos muito aquém do que ela merece.

Portanto, rejeite todas essas descrições ilógicas de que Jesus é como Maomé, como Buda, como Dalai Lama, Ghandi ou a sua avó piedosa. Ele não é como ninguém mais. E, por isso, não fiquemos impressionados quando alguém chama Jesus de um homem bom, uma pessoa iluminada ou um dos profetas. Ele não é um dos, ele é O.

Kevin DeYoung é o pastor da University Reformed Church em East Lasing, MI, EUA. Obteve sua graduação pelo Hope College e seu mestrado pelo Gordon-Conwell Theological Seminary. É autor de diversos livros, preletor em conferências teológicas e pastorais, é cooperador do ministério "The Gospel Coalition" e mantém um Blog na internet "DeYoung, restless and reformed". Kevin é casado com Trisha com quem tem 4 filhos. 

Traduzido por: Francisco Wellington Ferreira 
Editor: Tiago Santos

Copyright © Kevin DeYoung 2012
Copyright © Editora Fiel 2012

Traduzido do original em inglês: Not one of, but the One, por Kevin DeYoung, publicado no site: www.thegospelcoalition.com.

Fonte: http://www.editorafiel.com.br/artigos_detalhes.php?id=383

terça-feira, 20 de março de 2012

Máscaras...

O carnaval passou faz bastantes dias, mas como nós podemos observar, é nesta ocasião que as pessoas aproveitam para vestir as suas máscaras e elas tentam representar aquilo que pensam ou pretendem ser. Pus-me a meditar no que isso tem a ver com nós cristãos (eu junto) no século em que vivemos.

Faz alguns anos que me deparei com o termo grego hupokrités que me despertou muita atenção. A sua tradução significa "hipocrisia" e "hipócrita". É a partir deste significado que desenvolve seu sentido negativo e porque não dizer maligno. A pessoa hipócrita é fingida por si e desempenha um papel que representa.

Jesus chamou de hipócritas por diversas vezes os religiosos fariseus de sua época. Hipócrita era o adjetivo que cabia muito bem e não poderia ter outro melhor para aquela classe que estava recheada de uma religiosidade de aparência. A hipocrisia é a máscara que carrega sempre a mentira por debaixo das suas intenções. Ela carrega consigo a marca do pecado mais detestável possível que é a dissimulação, pois isso é próprio do caráter de todo hipócrita que esconde em seu interior as máculas das transgressões mais sórdidas.

Em Mateus 22:15-18, vemos que para tentar surpreender Jesus nalguma falha sobre a questão do tributo, os fariseus mandaram uns dos seus discípulos com os herodianos interrogá-lo: "...Mestre, bem sabemos que és verdadeiro, e ensinas o caminho de Deus, segundo a verdade, e de ninguém se te dá, porque não olhas à aparência dos homens. Dize-nos, pois, que te parece? É lícito pagar o tributo a César, ou não? Jesus, porém, conhecendo a sua malícia, disse: Por que me experimentais, hipócritas?

Esse texto do Evangelho de Mateus nos revela a verdadeira face do religioso que esconde um coração mau, sob as máscaras da piedade. Sabemos que o objetivo deles não era o conhecimento de Deus, mas sim, provocarem um embaraço nas palavras de Jesus. Ao chamarem Jesus de "Mestre", dizerem que "sabiam que ele era verdadeiro", dizer que ele "ensinava os caminhos de Deus", mais ainda que "de ninguém se dava", e finalmente "que ele não olhava à aparência dos homens", eles somente o fizeram na mais pura intenção de esconder nas suas palavras os verdadeiros motivos daquela indagação.

Os fariseus eram exímios seguidores da Lei de Deus, mas guardavam também as tradições que lhes foram passadas. O zelo pelas duas formas de servirem a Deus os levou a praticar uma religião que destacava pela aparência. Exibiam grande pompa em suas cerimônias, gostavam de serem reconhecidos pelas suas roupas e eram mestres em fazer cena para impressionar seus ouvintes. A maneira de lavar as mãos, a limpeza cuidadosa que faziam no uso das taças e copos, revelam o ritual rigoroso no ofício religioso. A preocupação em cumprir de forma cabal seus deveres religiosos, levou-os a pecar pelo extremismo.

Saul tão somente foi rejeitado pelo Senhor pela sua desobediência. No entanto, na intenção de consertar os seus erros ele ofereceu holocaustos e sacrifícios que não foram aceitos por Deusa sua oferta foi desprezível, (I Samuel 15:22-26). Obedecer ao Senhor é melhor do que sacrificar, pois com toda certeza: "A adoração sem conversão é religião de aparência". Precisamos abrir o nosso coração ao discernimento para conhecer a verdadeira mensagem de Deus, pois a máscara da religião pode criar em nós uma casca permanente.

Devo indagar-me então se não estaria sendo semelhante aos fariseus e qual seria a máscara que costumo usar. Sei que devo ser um cristão autentico, que não posso dar tanta importância para as coisas exteriores. Sei que preciso encher o meu interior a cada dia do conhecimento de Deus para que todas as imperfeições possam ser vencidas em mim com a Sua Graça. Porque vestir a máscara da religiosidade geralmente significa: "Fechar a porta da Graça de Deus para se perder pelo caminho da cegueira espiritual."

sexta-feira, 16 de março de 2012

Nem toda fé traz justificação - Thomas Watson (1620-1686)


A verdadeira fé justificadora consiste de três coisas:


Primeiramente, há a auto-renúncia. Fé significa "sair para fora" do eu, de nossos méritos e enxergar que não temos direitos próprios: "Não tendo justiça própria" (Fp 3.9). É um fio partido, no qual a alma não pode se apoiar. Arrependimento e fé são graças humildes. Pelo arrependimento, uma pessoa abomina a si mesma, pela fé, a mesma pessoa se desloca do seu eu. O povo de Israel saindo do Egito pode nos dar uma comparação. O povo, ao ver faraó e suas carruagens o perseguindo e se aproximando de sua retaguarda, ao mesmo tempo em que diante deles estava o Mar Vermelho pronto para devorá-los, entristeceu-se. Da mesma maneira, o pecador olha para trás e vê a justiça de Deus o perseguindo por causa do pecado e diante dele está o inferno pronto para devorá-lo. E, nessa condição desesperadora, não vendo nada em si mesmo para ajudá-lo, o homem perecerá a menos que possa encontrar ajuda em algum lugar. 


Em segundo lugar há a confiança. A alma se lança sobre Jesus Cristo. A fé é depositada na pessoa de Cristo. A fé crê na promessa, pois tal promessa é a própria pessoa de Cristo. Figuradamente podemos dizer: assim como a esposa "... vem encostada ao seu marido..." (Ct 8.5). Descreve-se a fé como crer em o nome de seu Filho, Jesus Cristo" (1 Jo 3.23), isto é, em sua pessoa. A promessa é como um porta-jóias, Cristo é a jóia dentro dele, o qual a fé envolve. A promessa é somente o prato, Cristo é a comida no prato, que alimenta a fé. A fé se apoia na pessoa de Cristo "crucificado". A fé se gloria na cruz de Cristo (Gl 6.14). Olhar para Cristo coroado com todas as excelências provoca admiração e assombro, mas olhar para Cristo como o ensanguentado e a ponto de morrer é o verdadeiro objeto de nossa fé. A fé é, portanto, chamada fé "no seu sangue" (Rm 3.25).


Em terceiro há a apropriação, ou aplicação de Cristo em nós mesmos. Um remédio, embora seja muito eficaz, se não for administrado não fará nenhum bem. Um curativo pode ser feito com o próprio sangue de Cristo, mas não curará, a menos que seja aplicado pela fé. O sangue de Cristo, sem a fé em Deus, não salva. Quando aplicamos esse conceito a Cristo, o chamamos de receber a Cristo (Jo 1.12). A mão que recebe ouro enriquece. Assim também a mão da fé recebendo os méritos dourados de Cristo com a salvação nos enriquece.


A operação da fé salvadora


Como a fé é trabalhada?


Pela ação do bendito Espírito Santo de Deus, que é chamado o "Espírito da graça", porque ele é a fonte de toda a graça (Zc 12.10). A fé é a obra principal que o Espírito de Deus opera no coração do homem. Ao fazer o mundo, Deus disse uma palavra, mas ao operar a fé ele estende seu braço (Lc 1.51). O ato de o Espírito trabalhar a fé é chamado: "a suprema grandeza do seu poder" (Ef 1.19). Foi uma ação de poder supremo exercida na ressurreição de Cristo, visto que tamanho obstáculo estava diante dele: eram "os pecados de todo o mundo". Mesmo assim ele foi ressuscitado pelo Espírito. O mesmo poder é exercitado pelo Espírito de Deus ao operar a fé. 


O Espírito ilumina a mente e subjuga a vontade. A vontade se compara a uma fortaleza que resiste a Deus. O espírito conquista a fortaleza com uma doce violência, ou melhor, ele a transforma fazendo que o pecador deseje Cristo de qualquer maneira, que seja governado por ele, assim como salvo por ele.

segunda-feira, 12 de março de 2012

Lutero e a inutilidade das riquezas diante da morte

Martinho Lutero
Na sua exposição do capítulo 15 da 1ª Carta aos Coríntios, falando especificamente sobre os versículos 26 e 27, Lutero fala sobre a tolice humana de se apegar aos bens materiais quando eles são absolutamente inúteis diante da inevitabilidade da morte. O trecho abaixo faz parte de uma série de 17 pregações de Lutero levadas a cabo entre 11 de agosto de 1532 e 27 de abril de 1533, que foram compiladas pelo diácono Jorge Rörer e publicadas por Gaspar Cruciger no mesmo ano de 1533. 

Comentário de Martinho Lutero a 1 Coríntios 15:26-27 – “O último inimigo a ser destruído é a morte. Por que todas as coisas sujeitou debaixo dos pés.”
O cristão, entretanto, justamente pelo fato de ter-se tornado um cristão, está enfiado na morte e a carrega consigo a toda hora, onde quer que esteja, precisando esperá-la a todo o momento enquanto aqui viver, uma vez que o diabo, o mundo e sua própria carne não lhe dão sossego. Em contrapartida, ele tem a vantagem de já ter saído da sepultura com a perna direita e tem um poderoso assistente que lhe estende a mão, ou seja, seu Senhor Cristo, que, há muito, já saiu, dá-lhe a mão e já o retirou em mais da metade, de modo que não resta mais que o pé esquerdo. Isso, porque o pecado já lhe está perdoado e eliminado, a ira de Deus e o inferno, apagados, ele já vive totalmente em e junto a Cristo e sua parte melhor (que é a alma) participa da vida eterna; por isso, a morte não mais pode segurá-lo nem comprometê-lo, exceto que o resto, a velha pele, carne e sangue precisam decompor-se para, também, renovar-se e, também, poder seguir à alma. No mais, já chegamos totalmente à vida, porque Cristo e minha alma não mais estão na morte.  
Desse consolo e obstinação, o mundo nada sabe, embora teimem e se gabem de muito dinheiro e posses, de grande prestígio, amizade e poder. Porém, diga-me uma só pessoa que, com tudo isso, pudesse depender-se da morte ou evitá-la. Ainda não houve um sequer que tivesse levado consigo a mínima coisa, um grãozinho ou um pingo d’água. Têm que ficar deitados ali, não conseguem ajudar-se com uma respirada sequer, ficando estirados eternamente em fedor insuportável, se não os enterrarem. E nenhum vermezinho seria tão inofensivo a ponto de não conseguir apoderar-se deles para devorar o cadáver. Nenhum rei jamais foi tão rico e poderoso que pudesse levar consigo toda a sua coroa e poder o equivalente a um centavo que fosse. Pelo contrário, tudo que já tiveram, eles têm que deixar aqui fora, deixando-se enterrar no túmulo, totalmente desprovidos.
Embora não muitos de nós já tenhamos saído com Cristo da morte e da sepultura de volta para a vida, temos um homem que da morte tudo levou consigo, nada perdendo por causa dela, mas tudo levou consigo, não deixando lá um fio de cabelo sequer; mas, justamente nela, ele puxou todas as coisas para si (como ele mesmo diz) e as sujeitou a si, de modo que, dele e por meio dele, também nós tenhamos que sair e, também, puxar conosco tudo o que aqui deixamos. Disso podemos nos gabar e isso, também, podemos defender contra o mundo inteiro, ainda que ridicularizem a fé e o cristianismo, fiando-se em que, agora, têm dinheiro e posses suficientes, vivendo como querem em sua ganância e toda sorte de prazeres. Mas o que vale é: vai acumulando, poupando e ajuntando numa boa, vê quem consegue desbancar o outro! Se tu tens dinheiro e posses, poder e tudo que desejas, tenta levar um centavo contigo! Mas eu quero te mostrar um Senhor que nada deixou atrás de si na morte, mas arrancou tudo [dela] e, também, me dá a mão para que eu possa arrancar também a mim. Mostra-me um homem desses em todo o mundo que, alguma vez, tenha levado consigo um fio ou o tenha trazido da morte!? Que adianta tua insistência em algo tão nulo, que não fica em teu poder sequer um momento ao chegar a morte, como se quisesses tê-lo eternamente ou levar tudo contigo? 




Lutero, Obras Selecionadas
(Martinho Lutero in OBRAS SELECIONADASEd. Sinodal, 2005, “O capítulo 15 da Primeira Carta de S. Paulo aos Coríntios”, págs. 354-355)


Fonte: http://www.e-cristianismo.com.br/pt/lutero/235-lutero-e-a-inutilidade-das-riquezas-diante-da-morte

quarta-feira, 7 de março de 2012

A Bíblia é o árbitro de tudo! - João Calvino



OS FANÁTICOS QUE, POSTA DE PARTE A ESCRITURA, ULTRAPASSAM A REVELAÇÃO E UBVERTEM A TODOS OS PRINCÍPIOS DA PIEDADE - NÃO HÁ NOVAS REVELAÇÕES - Ademais, aqueles que, repudiada a Escritura, imaginam não sei que via de acesso a Deus, devem ser considerados não só possuídos pelo erro, mas também exacerbados pela loucura. Ora, surgiram em tempos recentes certos desvairados que, arrogando-se, com extremada presunção, o magistério do Espírito, fazem pouco caso de toda leitura da Bíblia e se riem da simplicidade daqueles que ainda seguem, como eles próprios a chamam, a letra morta e que mata.

Eu, porém, gostaria de saber deles que Espírito é esse de cuja inspiração se transportam a alturas tão sublimadas que ousem desprezar como pueril e rasteiro o ensino da Escritura? Ora, se respondem que é o Espírito de Cristo, tal certeza é absurdamente ridícula, se na realidade concedem, segundo penso, que os apóstolos de Cristo, e os demais fiéis na Igreja primitiva, foram iluminados não por outro Espírito. O fato é que nenhum deles daí aprendeu o menosprezo pela Palavra de Deus; ao contrário, cada um foi antes imbuído de maior reverência, como seus escritos o atestam mui luminosamente. E, na verdade, assim fora predito pela boca de Isaías. Pois o povo antigo não cinge ao ensino externo como se lhe fosse uma cartilha de rudimentos, onde diz: “Meu Espírito que está em ti, e as palavras que te pus na boca, de tua boca não se apartarão, nem da boca de tua descendência, para sempre” [Is 59.21], senão que ensina, antes, haver de ter a nova Igreja, sob o reino de Cristo, esta verdadeira e plena felicidade: que seria regida pela voz de Deus, não menos que pelo Espírito. Do quê concluímos que, em nefando sacrilégio, estes dois elementos que o Profeta uniu por um vínculo inviolável são separados por esses biltres.

A isto acresce que Paulo, arrebatado que foi até ao terceiro céu [2Co 12.2], entretanto não deixou de aprofundar-se no ensino da lei e dos profetas, assim como também exorta a Timóteo, mestre de singular proeminência, a que se devotasse a sua leitura [1Tm 4.13]. E digno de ser lembrado é esse elogio com que adorna a Escritura: “é útil para ensinar, admoestar, redargüir, a fim de que os servos de Deus se tornem perfeitos” [2Tm 3.16]. De quão diabólica loucura é imaginar como se fosse transitório ou temporário o uso da Escritura que conduz os filhos de Deus até a meta final!

Em seguida, desejaria que também me respondessem isto: porventura beberam de outro Espírito além daquele que o Senhor prometia a seus discípulos? Ainda que se achem possuídos de extrema insânia, contudo não os julgo arrebatados de tão frenético desvario que ousem gabar-se disso. Mas, ao prometê-lo, de que natureza declarava haver de ser esse Espírito? Na verdade, um Espírito que não falaria por si próprio; ao contrário, que lhes sugeriria à mente, e nela instilaria o que ele próprio havia transmitido por meio da Palavra [Jo 16.13].

Logo, não é função do Espírito que nos foi prometido configurar novas e inauditas revelações ou forjar um novo gênero de doutrina, mediante a qual sejamos afastados do ensino do evangelho já recebido; ao contrário, sua função é selar-nos na mente aquela mesma doutrina que é recomendada através do evangelho.

A BÍBLIA É O ÁRBITRO DO ESPÍRITO

Do quê facilmente entendemos isto: se ansiamos por receber algum uso e fruto da parte do Espírito de Deus, imperioso nos é aplicar-nos diligentemente a ler tanto quanto a ouvir a Escritura. Assim é que Pedro até louva [2Pe 1.19] o zelo daqueles que estão atentos ao ensino profético, ensino que, todavia, após resplandecida a luz do evangelho, poderia parecer ter sido cancelado. Muito pelo contrário, se algum espírito, preterida a sabedoria da Palavra de Deus, nos impingir outra doutrina, com justa razão deve o mesmo ser suspeito de fatuidade e mentira [Gl 1.6-9]. E então? Uma vez que Satanás se transfigura em anjo de luz [2Co 11.14], que autoridade terá o Espírito entre nós, a não ser que seja discernido através de sinal de absoluta certeza? E de forma intensamente clara, ele nos tem sido apontado pela voz do Senhor, não fora que, por sua própria vontade, estes infelizes porfiassem por extraviar-se para sua própria ruína, enquanto buscam o Espírito por si próprios e não por ele mesmo.

Alegam, com efeito, que é afrontoso que o Espírito de Deus, a quem todas as coisas devem estar sujeitas, seja subordinado à Escritura. Como se, na verdade, isto fosse ignominioso ao Espírito Santo: ser ele por toda parte igual e conforme a si mesmo; permanecer consistente consigo em todas as coisas; em nada variar! De fato, se fosse necessário julgar em conformidade com qualquer norma humana, angélica, ou estranha, então deveria considerar-se que o Espírito estaria reduzido a subordinação; aliás, se agradar mais, até mesmo a servidão. Quando, porém, se compara consigo próprio, quando em si mesmo se considera, quem dirá com isso que ele é impingido com ofensa? Com efeito, confesso que, desta forma, o Espírito é submetido a um exame, contudo um exame através do qual ele quis que sua majestade fosse estabelecida entre nós. Ele deve ser plenamente manifesto assim que nos adentra o coração.

Entretanto, para que o espírito de Satanás não se insinue sob o nome do Espírito, ele quer ser por nós reconhecido em sua imagem que imprimiu nas Escrituras. Ele é o autor das Escrituras: não pode padecer variação e inconsistência para consigo mesmo. Portanto, como ali uma vez se manifestou, assim tem ele de permanecer para sempre. Isto não lhe é derrogatório, a não ser, talvez, quando julgamos dever ele abdicar e degenerar sua dignidade.

domingo, 4 de março de 2012

Homo Incurvatus in Si - James I. Packer


O PECADO É UM TEMA vital e precisamos tomar conhecimento dele. Dizer que a nossa necessidade primária na vida é conhecimento sobre o pecado, pode soar estranho, mas no sentido tencionado, expressa uma profunda verdade. É necessário fixar em nossas mentes, três idéias “claras sobre o pecado”.

Isso porém não é tarefa fácil, pelo menos por três razões.

EM PRIMEIRO LUGAR, a doutrina bíblica do pecado não lisonjeia; e, naturalmente, mostramos aversão a qualquer opinião a nosso respeito que nos seja desfavorável. O nosso instinto de auto-desculpa é muito forte, sendo ele mesmo produto do pecado (Gn 3.12,13). Deriva-se daí a tentação de suavizarmos a doutrina no pecado. Homens bons têm cedido a essa tentação, desde o início da igreja. É mister graça e iluminação espiritual para crermos que nossos pecados são um problema sério aos olhos de Deus, conforme a Bíblia nos diz. Precisamos orar para que Deus nos torne humildes e dispostos a aprender, quando estudamos esse tema.

EM SEGUNDO LUGAR, a doutrina bíblica do pecado emerge do conhecimento bíblico acerca da santidade de Deus, conhecimento esse que anda muito escasso em nossos dias. O pecado só pode ser devidamente compreendido pelo lado de dentro, conforme o achamos e nós mesmos.
Tal como Isaías no templo, só começamos a perceber o pecado em nós quando no defrontamos conscientemente com o Deus Santo (Is 6.3-5). No cristianismo moderno, embora os conceitos da boa vontade e da compaixão de Deus muito signifiquem, pouco significam os conceitos acerca da sua santidade e da sua impureza. O fermento do cristão liberal na nossa herança, somando ao indiferentismo moral de nossa cultura, mas a nossa insensível apatia e desinteresse para com as coisas espirituais combinaram-se para suprimir o senso de santidade de Deus. Os escritores realmente autorizados a falar sobre o pecado - o próprio Isaías, Amós, Oséias, Jeremias, Ezequiel, Paulo, João, Agostinho, Lutero, João Calvino, John Owen, Thomas Goodwin, Jonathan Edwards... comunicaram um senso tão poderoso da santa presença de Deus que quase chega a ser tangível. Visto que a sentiam tanto, puderam compartilha-la conosco. Mas, a maioria de nós hoje não tem o conhecimento que eles tinham do pecado, pois que também não temos a consciência que eles tinham da presença de Deus.
EM TERCEIRO LUGAR, a doutrina bíblica do pecado tem sido secularizada nos tempos modernos. As pessoas continuam a falar sobre o , mas não mais meditam sobre ele de maneira teológica. O termo “pecado” tem deixado de transmitir a idéia de uma ofensa contra Deus e agora indica apenas uma quebra dos padrões aceitáveis de decência, particularmente nas questões sexuais. Porém, quando a Bíblia fala sobre o pecado, refere-se a ele precisamente como uma ofensa contra Deus. Embora o pecado seja cometido pelo homem, e com freqüência contra a sociedade, ele não pode se definido em termos do homem ou da sociedade. Jamais compreenderemos o que o pecado realmente é, enquanto não aprendemos a pensar nele em termos de nosso relacionamento com Deus.

NATUREZA DO PECADO
Os termos que nossa Bíblia traduz por “pecado”, tanto no Antigo quanto no Novo Testamento, significam ou errar o alvo, ou falhar em alcançar um padrão, ou falhar em obedecer uma autoridade. Seja o padrão inalcançado, o alvo não atingido, a vereda abandonada, a lei transgredida ou a autoridade desafiada, em cada caso é o homem contra Deus. O pecado é medido à luz de Deus e sua vontade. O pecado é desviar-se do caminho que Deus determinou (Ex 32.8), pra um caminho proibido, um caminho de própria escolha (Is 53.6). o pecado consiste em andar contrariamente a Deus, retroceder para longe de Deus, voltar as costas para Deus, desafiar e ignorar Deus.

Em termos positivos, qual é a essência do pecado? BRINCAR DE DEUS. E, como um meio para tanto, recusar-se a permitir que o Criador seja Deus, até onde estiver envolvido aquele que assim agir. A atitude que é a essência do pecado consiste em viver, não para Deus, mas para si mesmo; amar, servir, e agradar a si mesmo, sem importar-se com o Criador. Consiste em tentar ser tão independente de Deus quanto possível, colocando-se fora do alcance de sua mão, mantendo-O afastado, conservando as rédeas da vida em suas próprias mãos, agindo como a própria pessoa e os seus prazeres fossem a finalidade para a qual as demais coisas, incluindo Deus, existissem. O pecado é a exaltação de si mesmo contra o Criador, evitando prestar a homenagem que Lhe é devida e pondo-se no lugar dEle como padrão final de referência, em todas as decisões da vida. Agostinho analisou o pecado como orgulho (superbia"), aquela louca paixão de ser superior até mesmo a Deus, como um estado de espírito afastado de Deus para uma atitude de auto-absorção ( Homo incurvatus in se). Assim, o pecado é a imagem do diabo, pois o orgulho outro-exaltado foi o sei pecado antes que se tornasse o nosso (1Tm 3.6).
Todos esses elementos estavam embrionariamente contidos no primeiro pecado humano, que consistiu em entregar-se à tentação de ser "como Deus" (Gn 3.5). Paulo nos mostra que o pecado começou quando os homens, "tendo conhecimento de Deus não o glorificaram como Deus, nem lhe deram graças" (Rm 1.21). Ele mesmo nos oferece a mais precisa análise do espírito do pecado contida na Bíblia, ao dizer que "o pendor da carne (a mente e o coração do pecador não-regenerado) é inimizade contra Deus" (Rm 8.7) - descontentamento para com o seu governo, ressentimento contra suas reivindicações e hostilidade para com sua Palavra; tudo expresso por meio da determinação fixa e inalterável de seguir a sua própria independência, em desafio ao Criador. O substantivo abstrato "inimizade" intensifica a idéia, como se Paulo houvesse dito "essência da inimizade", ou então "inimizade pura".
Dessa atitude de autodeificação brotam atos de autodeterminação contra Deus e nossos semelhantes: atos de irreligiosidade, no primeiro caso; atos de desumanidade, no segundo caso. Um ser que desprezou o primeiro grande mandamento - amarás a Deus com todas as tuas forças - dificilmente poderia mostrar muito respeito para com o segundo - amarás ao teu próximo como a ti mesmo. Disso deriva-se o espírito do pecado, que destroça as relações entre o homem e o seu Criador e também destrói a sociedade humana. Paulo nos apresenta três formas características em que essa ação destruidora se manifesta (Rm 1.26-31; Gl 5.19-21 e 2Tm 3.2-4). 


Fonte: http://www.josemarbessa.com/2010/03/homo-incurvatus-in-si-james-i-packer.html

quinta-feira, 1 de março de 2012

A Unidade é utopia

Por João Marcos Bezerra

Texto Base: Cl 3.5-14 

Venhamos e convenhamos, falar sobre unidade está mais manjado do que qualquer outro tema. Quando se começa o ano, há alguma divisão e/ou confusão no ministério ou na igreja, muda a liderança, ou mesmo em retiros das igrejas ou ministérios se aborda a comunhão focada na unidade. E ainda tem as músicas de comunhão cantadas nos cultos: “Um mais um, igual a um. Dois mais dois, igual a um. Três mais três, igual a um. Sempre um só. Sempre um só. É assim que Deus quer ver o seu povo. Na UNIDADE do Espírito. Vivendo em COMUNHÃO. Vivendo em UNIÃO. SE AMANDO com intensidade…”. Isso não é uma crítica a abordagem desse tema, mas é fato que é bem comum falar sobre ele.

Diante de tanta abordagem sobre o assunto, será mesmo que sabemos, entendemos e vivemos de fato a unidade? O que é isso realmente? Pois bem, vamos buscar tratar disso de uma forma diferente. Preste atenção: vamos tentar tratar de uma forma diferente. Não garanto que consiga. Pode ser que você já tenha visto isso em algum lugar com o seu pastor ou líder.

A unidade é sinônimo de união, homogeneidade, uniformidade, e significa “ação coletiva orientada para o mesmo fim” (Aurélio Séc. XXI), isto é, a uniformidade existente num grupo que tenha a mesma missão e o mesmo propósito. Não tem nada a ver com um conjunto de pessoas que tenham as mesmas características. Isso pode ocorrer, mas não é obrigatório.

Na igreja dificilmente encontraremos a maioria dos membros iguais. Acontece um ou outro caso, porque Deus criou cada indivíduo com características próprias dentro do padrão divino. É na diversidade onde mais observamos o agir do Senhor. Dentro desta variedade qualitativa está o que torna o grupo uniforme (com unidade), Jesus Cristo. É quando o Filho do Homem é o foco da igreja e a missão desta é o Seu Evangelho – a transmissão e a vivência – que realmente encontramos a unidade.

Entretanto, precisamos entender que, apesar de não termos as mesmas qualidades em todas as pessoas do grupo, é necessário abrir mão de características que não pertencem aos princípios do conjunto. Quando o apóstolo Paulo diz em Cl 3.5, “exterminai as inclinações carnais”, ele está dizendo que as tendências da natureza humana não pertencem aos preceitos do Senhor (lembre-se que o homem decaiu na desobediência no Jardim) e que o discípulo de Cristo não deve comungar com isto.

Então, se você quer colaborar com a unidade no corpo de Cristo, você não pode estar ligado à prostituição, à impureza, à paixão, à maus desejos, à avareza/idolatria (v.5), à ira, à malícia, ao vocabulário indecente e à mentira (v.8). Estas coisas pertenciam a você, a nós, quando estávamos fora da comunhão com Deus (v.7). E são sobre elas que vem a ira divina (v.6). É DEFEITO DO VELHO HOMEM! Quando temos algo quebrado queremos consertar e, se possível, ter um novo. Por que também não o fazemos com a nossa própria vida?

Nisso a sacada é que, mesmo diferentes uns dos outros, precisamos ter o mesmo sentimento (Fl 2.5) – compaixão, bondade, humildade, suavidade/mansidão, paciência e, principalmente, amor (Cl 3.12,13). Quando aparecer aquele amado “insuportável” e que não colabora com a unidade esteja pronto a perdoá-lo, tolerá-lo, pois isso é o que significa suportar em Cl 3.13.

Assim que abandonarmos o que não presta do velho homem e nos enchermos das coisas boas, do caráter de Cristo, conseguiremos alcançar a unidade real. Enquanto isso não ocorrer a unidade será utopia. As diferenças e diversidades continuarão e em muito contribuirão para o desenvolvimento do grupo, mas o foco, o Evangelho (vivido e transmitido) e o sentimento devem ser os mesmos em todos.

Que essa possa ser a sua atitude: Diga ‘adeus’ ao velho homem e se “aprochegue” ao novo. Deus abençoe!


Fonte: http://www.ultimato.com.br/comunidade-conteudo/a-unidade-e-utopia

Via: http://jmarcosbezerra.blogspot.com/