domingo, 31 de março de 2013

ALÉM DE UM PALMO DO NARIZ

Por João Marcos Bezerra
Baseado no livro “Liderando com a Bíblia” de Bill Hybels, Ken Blanchard e Phil Hodges

Quem já ouviu a expressão “não enxerga um palmo diante do nariz”? Isto normalmente é dito a quem bate em pessoas e objetos enquanto se movimenta ou a quem dar topadas frequentemente. Quem já passou por isso ou conhece alguém assim? Eu sim! Agora, imagine quem não enxerga de verdade, não é só falta de atenção. Como deve se sentir por não ver o que acontece a sua volta? Esta pessoa deve se esforçar o bastante para usar todos os outros sentidos para tentar substituir o que falta. O personagem da Marvel, o Demolidor, é um exemplo disso (risos). Já o que tem falta de atenção, não tem como apurar os outros sentidos para substituir a visão, pois ele ainda enxerga. Este caso, acredito que é mais grave do que a cegueira verdadeira, pois enxerga e não vê o que está diante do seu nariz.
Gosto de pensar que além de um palmo do nariz está o nosso futuro e não as coisas que vemos com os olhos naturais. A Bíblia nos diz que não devemos nos preocupar com o amanhã porque ele cuidará de si mesmo (Mt 6.34), mas quando vejo o exemplo de Deus na criação do mundo, onde em cada dia o Criador executava um plano criacionista bem detalhado (Gn 1); e o de Neemias quando orou ao Senhor sobre a reconstrução de Jerusalém e numa oportunidade dada pelo rei o copeiro apresentou todo um planejamento (Ne 1 e 2); entendo que isto é um atributo divino e foi dado à humanidade por ser a imagem e semelhança do Senhor.
Mas vamos deixar de “modelagens filosóficas” e chegar aonde queremos! O planejamento dos nossos projetos e sonhos é algo importantíssimo para obtermos êxito neles. Ele não é algo complexo e difícil de dedução. O fato de você se arrumar para sair e se preocupar com uma roupa para usar, quem será sua companhia, quanto vai gastar, o meio de transporte, horário de chegado e saída é um plano. Imagine se você pensa qual será o curso de graduação que fará, qual a idade que pretende casar, quando adquirirá um carro e uma casa, quando será sua aposentadoria! Isto também é um planejamento.
Jesus nos deu também o exemplo nesta questão e nos mostrou, através do seu ministério, como devemos planejar os nossos projetos. Isto porque Ele tinha uma visão clara do que queria, aonde iria chegar e como faria. Esta “visão clara possui quatro aspectos: objetivo, valores, imagem e metas” (HYBELS, 2001, p. 125). Cada uma destas limitadas por diretrizes, que “canalizam todos os esforços na mesma direção” (idem). Mas o que são cada um desses aspectos?! Vejamos!
objetivo serve para mostrar para que o projeto existe e qual o tipo de empreendimento que irá se envolver. Em Mt 4.19 NVI diz: “E disse Jesus: Sigam-me, e eu os farei pescadores de homens”. Neste momento o Mestre apresenta aos seus discípulos qual o tipo de pescaria eles implementariam daí por diante. O projeto era, na verdade ainda é, alcançar as pessoas para o reino de Deus. Então, com base nisto, levando em conta a nossa vida e sonhos, qual o objetivo do seus projetos? Pense nisso!
Os valores são o segundo aspecto para se ter uma visão clara num planejamento. Eles determinam o comportamento da equipe para alcançar o objetivo. Jesus disse aos seus discípulos em Jo 10.10b ARA: “eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância”. Além desse, vemos Paulo transmitindo outros valores em 1Co 13.13 ARA: “Agora, pois, permanecem a fé, a esperança, o amor, estes três; mas o maior destes é o amor”. Vida abundante, fé, esperança e amor são os valores bíblicos para ser um pescador de homens, que é o objetivo apresentado pelo Mestre. Apesar desses, infelizmente, a Igreja os têm corrompido e vêm transmitido valores distorcidos da Verdade para os cristãos. Consequentemente, estes são levados também a aplica-los equivocadamente em seus projetos pessoais. Os valores que você propõe no seu planejamento estão baseados nas Escrituras Sagradas ou não? Isso fará muita diferença!
O terceiro aspecto de um plano claro é a imagem, por alguns chamados de visão. Ela nada mais é do que a projeção de como será o futuro se as coisas ocorrerem como planejado. Em Jo 8.32 ARA Cristo apresenta o retrato do futuro do seu ministério: “e conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará”. A liberdade ocasionada pelo conhecimento da verdade, que podemos dizer que é um dos recursos usados na “pescaria”, é a imagem do planejamento divino para o Reino. Em relação a nossa vida, devemos ter sempre em mente a visão de como desejamos o futuro, em todo e qualquer projeto. Além disso, devemos apresenta-lo de forma clara a todos que estão envolvidos nele, direta ou indiretamente.
Por último, o quarto aspecto importante num planejamento estão as metas, que é a direção que as pessoas devem tomar a curto e médio prazo. Normalmente as metas devem ser traçadas semestralmente ou anualmente, as vezes em períodos menores. Portanto que se mantenham na mente das pessoas envolvidas no projeto até o seu alcance. Quando pensamos no ministério de Jesus, qual seria a meta principal dele? Em Mt 28.19,20 NVI está a resposta: “Portanto, vão e façam discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo; ensinando-os a obedecer a tudo o que eu lhes ordenei…”. E assim como Ele traçou esta meta clara, devemos fazer o mesmo em nossos planos de vida.
Quais são suas metas para alcançar seus sonhos? Você tem objetivos e uma imagem clara do que deseja na vida? Quais os seus valores? Junte estes quatro aspectos aos recursos (financeiros, materiais e pessoais) e você terá um planejamento bem estruturado para os seus projetos. Mais uma vez repito que este é algo divino concedido ao homem para que não vivamos sem sonhos bem fundamentos, bem reforçados em alicerces que não permitirão que eles sejam abalados pelas intempéries da vida.

Por isso, recomendo que todos, não só os líderes ou gestores, comecem a aplicar esta ferramenta e sejam pessoas com projetos eficientes. Lembre-se que até os improvisos, apesar de serem improvisos, precisam ser bem planejados para que alcancem o objetivo e sejam bem sucedidos. Que Deus nos conceda sabedoria e discernimento para que a aplicação da Sua Palavra seja eficaz em nós e também nos abençoe em todos os planos para que vejamos além de um palmo do nariz. Amém!

Fonte:http://jmarcosbezerra.blogspot.com.br/

segunda-feira, 25 de março de 2013

Lutero e o arrependimento egoísta e hipócrita!


POR JOSEMAR BESSA



Em 1521, Lutero escreveu:

“Nós fomos chamados a uma vida de arrependimento.
Esta vida, por isso,
não é justiça,
mas o crescimento em justiça,
não é saúde perfeita,
mas a cura,
não sendo,
mas tornando-se,
Não descanso,
mas o exercício.
Nós não somos ainda o que havemos de ser,
mas estamos crescendo em direção a isso inexoravelmente (Santificação).
O processo ainda não está terminado,
mas está acontecendo.
Este não é o fim,
mas é a estrada.
De forma plena ainda não brilhamos  em glória,
mas tudo está sendo purificado.”

Lutero está afirmando que o arrependimento é a única forma de progresso diário na vida cristã. Constante arrependimento nos termos bíblicos, que flui de contrição e humilhação verdadeira, é o melhor sinal de que estamos crescendo de fato em direção ao caráter de Cristo. Muito do que chamamosarrependimento é egoísta e hipócrita – porque o mero “arrependimento religioso” tenta apenas fazer Deus “feliz” para que continue a me abençoar e responder minhas orações. Motivações centradas no meu ego são evidência de uma vida voltada para dentro. No evangelho, o propósito do arrependimento flui do desejo e alegria da comunhão com Cristo, o que torna cada vez mais fraca a necessidade de fazer qualquer coisa que contraria o coração de Deus, levando assim a uma obediência cheia de gozo no viver para Sua glória.

Esse arrependimento não está concentrado nas conseqüências dolorosas que queremos evitar. Na verdade a obediência que ele gera leva muitas vezes aflições neste mundo. O Evangelho nos ensina que no homem que de fato foi regenerado, o pecado não pode levar, em última instância, o homem a condenação – Romanos 8.1 – Portanto, toda sua hediondez está no fato de que Ele desagrada a Deus e o despreza, algo insuportável para o coração regenerado. Por isso que diferente do “arrependimento meramente religioso,” que é auto-centrado, o verdadeiro arrependimento é completamente centrado em Deus.

O verdadeiro arrependimento nunca se torna “expiatório” como é o arrependimento segundo o coração natural. O arrependimento “religioso” se torna uma forma de auto-flagelação para o pecado no coração não regenerado, no qual o homem se convence de que está tão verdadeiramente miserável, triste e pesaroso, que merece ser perdoado. No verdadeiro arrependimento o homem sabe que só é perdoado por causa de Cristo e não há mérito ou qualquer merecimento da parte dele, merecendo apenas a condenação de Deus. No conceito de arrependimento baseado no homem e não centrado em Deus, ganhamos o nosso perdão por causa do nosso arrependimento... no arrependimento bíblico, tanto o arrependimento quanto o perdão são um dom concedido pelos méritos de Cristo e graça soberana.

Quanto mais você vê suas faltas e pecados, mais preciosa, eletrizante e surpreendente a graça de Deus parece para você. Quanto mais o Espírito opera a santificação em sua vida, mas profundamente você vê pecados que estavam ocultos e o desejo de mortificá-los aumenta a cada dia. Mas, por outro lado, mais consciente você fica da graça de Deus e aceitação em Cristo, então, mais capacitado fica em abandonar suas negações e auto-defesas e admitir as verdadeiras dimensões do seu pecado. O pecado sob todos os outros pecados é a falta de alegria em Cristo.

Em uma carta de 09 de janeiro de 1738 a um amigo, George Whitefield, colocou uma ordem para o arrependimento regular. (Ele regularmente fazia seu inventário à noite), ele escreveu:

Deus me dê uma profunda humildade e um amor ardente, um zelo bem orientado e  olhos fixos na Verdade, e então deixe homens e demônios fazerem seu pior –

"Aqui está uma maneira de usar essa ordem de arrependimento fundamentado no evangelho.”

Por exemplo...

Profunda humildade x orgulho

Você olhou para alguém tendo sido atormentado pelas críticas? Se sentindo desprezado e ignorado?

■ Se arrependa assim: Considere a graça de Jesus até que sinta

a) diminuir todo desdém (Já que você é um pecador também),

b) diminuir a dor com a crítica recebida (desde que não devemos valorizar a aprovação humana sobre o amor de Deus.)

À luz de sua graça posso deixar de cultuar a minha própria imagem aos olhos do mundo, sabendo que este é um pecado grande e que mina totalmente minhas forças de viver para Deus.


Amor ardente x indiferença.

Você tem falado ou pensado maldosamente de alguém? Tem se justificado as caricaturar ( em sua mente) outra pessoa? Tem sido impaciente e irritado? Tem sido egoísta, indiferente...?

■ Se arrependa assim: Considere a graça de Jesus até que haja

a) Total ausência de frieza ou grosseria (pense profundamente no amor sacrificial de Cristo por você),

b) Total ausência de impaciência (pense longamente na  paciência infinita de Deus para contigo), e

c) Total ausência de indiferença. (Considere a livre graça que te leve a mostrar calor e afeto. Deus é infinitamente atencioso comigo por causa de Cristo. Esta mesma causa me levará a imitá-lo em relação aos outros – Cristo!).

Coragem sábia x ansiedade

Você tem evitado pessoas ou tarefas que sabe que deveria enfrentar? Esteve ansioso e preocupado? Tem sido precipitado e impulsivo?

■Se arrependa assim: Considere a graça de Jesus até que haja

a) Nenhuma covardia de tentar evitar coisas difíceis e dolorosas (Uma vez que Cristo enfrentou todo mal por sua causa),

b) Nenhum comportamento ansioso se manifeste (desde que a morte de Jesus prova que Deus se preocupa e vai cuidar de ti até que eu sejas apresentado incorruptível diante de Sua glória). - Eu não sou sábio o suficiente para saber como minha vida deveria ser. Considere a livre graça e experimente uma reflexão calma, ousada e produtiva para a glória de Deus em todas as situações da vida.

Motivações piedosas x Motivações auto-centralizadas

Você está fazendo tudo para a glória de Deus e o bem dos outros ou sendo impulsionado por temores, necessidade de amor, aprovação, conforto, facilidade, necessidade de controle, fome por aclamação e poder, ou  temor do homem?  

Está olhando para alguém com inveja?  Se volta para qualquer pessoa ou coisa, mesmo que nos primeiros movimentos internos, com luxúria ou gula? Está gastando seu tempo com coisas, que por esses desejos parecem urgentes, ao invés de gastar a vida com coisas importantes e fundamentais aos olhos de Deus, estando cego por causa desses desejos desordenados?

■ Se arrependa assim: Medite profundamente no que Jesus já forneceu para ti e que você ainda está procurando nessas outras coisas.

Ore: "Senhor Jesus, me faça feliz o suficiente em Ti para evitar o pecado e sábio o suficiente em Ti para evitar o perigo, para que eu possa sempre fazer o que é certo aos teus olhos, em teu nome eu oro, Amém".

Lutero diz que a única evidência da vida cristã verdadeira é este constante arrependimento que nos leva a cada dia a semelhança maior com Cristo. Whitefield nos mostra com que seriedade diariamente ele ia diante de Deus neste verdadeiro arrependimento que sonda e transforma. Não se contente com menos que isso.

domingo, 17 de março de 2013

Agostinho, Deus, a eternidade e o tédio!


POR JOSEMAR BESSA


O que Deus estava fazendo antes de criar todas as coisas? Essa pergunta foi feita a Agostinho  (Tagaste, 13 de novembro de 354 - Hipona, 28 de agosto de 430). Agostinho deu duas respostas, uma bem-humorada e outra bem séria.

A primeira resposta foi que Deus estava preparando o inferno para pessoas que fazem esse tipo de pergunta. A séria foi que Deus não estava no tempo, já que este não existia. O tempo começou com a criação e afeta apenas a criação. Antes da criação o tempo sequer existia. O mundo não começou como uma criação no tempo, mas com a criação do tempo.

A pergunta que surge então é: Se não existia o tempo, o que existia? A resposta é a eternidade. Deus é eterno, e a única coisa que existia era a eternidade.

Toda questão da pergunta sobre o que Deus estava fazendo – implica na verdade se um ser infinitamente perfeito pode se cansar. Na verdade a pergunta vem da idéia de tédio. Mas o que chamamos de tédio, é um sinal de imperfeição e insatisfação... mas Deus sendo perfeito é eternamente satisfeito. Então, mesmo imaginando – como seres finitos como nós fazem – um tempo sem fim... uma mente infinitamente criativa ( eterna ) pode sempre encontrar algo totalmente satisfatório para fazer, pensar... Somente mentes finitas esgotam e chegam ao fim de seus recursos e então ficam entediadas.

Finalmente o Deus eterno é Trino – Pai, Filho e Espírito Santo – Um Deus, três pessoas, perfeita comunhão! Entediado e solitário não se encaixam de forma alguma ao Deus eterno. Deus não tem necessidades, é completo em si mesmo. Criou porque quis e não por qualquer necessidade. O tédio é impossível a tal ser.

“Eu glorifiquei-te na terra, tendo consumado a obra que me deste a fazer. E agora glorifica-me tu, ó Pai, junto de ti mesmo, com aquela glória que tinha contigo antes que o mundo existisse.” - João 17:4-5

quinta-feira, 7 de março de 2013

O Sofrimento e a Glória de Deus


Por R.C. Sproul


Certa vez visitei uma mulher que estava morrendo de câncer uterino. Ela estava em grande angústia, mas não apenas por seu incômodo físico. Ela me explicou que ela havia feito um aborto quando moça e estava convencida de que sua doença era uma direta consequência daquilo. Resumindo, ela acredita que o câncer era o julgamento de Deus sobre ela.
A resposta pastoral comum a tal questão agonizante de alguém em seu leito de morte é dizer que a aflição não é um julgamento de Deus pelo pecado. Mas eu tive de ser honesto, então eu disse a ela que não sabia. Talvez fosse julgamento de Deus, mas talvez não fosse. Eu não posso sondar o conselho secreto de Deus ou ler a mão invisível de sua providência, então eu não sabia o motivo de seu sofrimento. Eu sabia, contudo, que qualquer que fosse a razão para aquilo, havia uma resposta para a culpa dela. Nós falamos sobre a misericórdia de Cristo e da cruz e ela morreu na fé.
A pergunta que aquela mulher levantou é feita todos os dias por pessoas que estão sofrendo aflições. Ela é abordada em uma das passagens mais difíceis do Novo Testamento. Em João 9, nós lemos: “Caminhando Jesus, viu um homem cego de nascença. E os seus discípulos perguntaram: ‘Mestre, quem pecou, este ou seus pais, para que nascesse cego?’ Respondeu Jesus: ‘Nem ele pecou, nem seus pais; mas foi para que se manifestem nele as obras de Deus’” (vv. 1-3).
Por que os discípulos de Jesus supuseram que a causa raiz da cegueira daquele homem era seu pecado ou o pecado de seus pais? Eles certamente tinham alguma base para essa hipótese, pois as Escrituras, dos registros da queda em diante, deixam claro que a razão pela qual o sofrimento, a doença e a morte existem neste mundo é o pecado. Os discípulos estavam corretos de que de alguma maneira o pecado estava envolvido na aflição daquele homem. Também, há exemplos na Bíblia de Deus causando aflição por causa de pecados específicos. No Israel antigo, Deus afligiu a irmã de Moisés, Miriã, com lepra porque ela questionou o papel de Moisés como porta-voz de Deus (Números 12:1-10). Igualmente, Deus tomou a vida do filho nascido a Bate-Seba como resultado do pecado de Davi (2 Samuel 12:14-18). A criança foi punida, não por causa de algo que a criança fez, mas como resultado direto do julgamento de Deus sobre Davi.
Contudo, os discípulos cometeram o erro de particularizar o relacionamento geral entre o pecado e o sofrimento. Eles assumiram que havia uma correspondência direta entre o pecado do homem cego e sua aflição. Eles não leram o livro de Jó, que trata de um homem que era inocente, e ainda assim foi severamente afligido por Deus? Os discípulos erraram em reduzir as opções a duas quando havia outra alternativa. Eles fizeram sua pergunta a Jesus de uma maneira “ou isso, ou aquilo”, cometendo a falácia lógica do falso dilema, assumindo que o pecado do homem ou o pecado dos pais do homem eram a causa de sua cegueira.
Os discípulos também parecem ter assumido que qualquer um que tem uma aflição sofre em direta proporção ao pecado que foi cometido. Novamente, o livro de Jó risca essa conclusão, pois o grau de sofrimento que Jó foi chamado a suportar era astronômico comparado com o sofrimento e aflições de outros muito mais culpados do que ele era.
Nunca devemos pular para a conclusão de que uma incidência específica de sofrimento é uma resposta direta ou está em direta correspondência ao pecado específico de uma pessoa. A história do homem que nasceu cego deixa isso claro.
Nosso Senhor respondeu a pergunta dos discípulos corrigindo sua falsa suposição de que a cegueira do homem era uma direta consequência do pecado dele mesmo ou de seus pais. Ele lhes assegurou que o homem nasceu cego não porque Deus estava punindo ao homem ou a seus pais. Havia outra razão. E por haver outra razão neste caso, pode sempre haver outra razão para as aflições que Deus nos chama a suportar.
Jesus respondeu a seus discípulos dizendo: “Nem ele pecou, nem seus pais; mas foi para que se manifestem nele as obras de Deus” (v. 3). O que ele quis dizer? De uma maneira mais simples, Jesus disse que o homem nasceu cego para que Jesus o pudesse curar no tempo designado, como testemunho do poder e da divindade de Jesus. Nosso Senhor demonstrou sua identidade como o Salvador e o Filho de Deus nessa cura.
Quando sofremos, devemos confiar que Deus sabe o que está fazendo, e que ele trabalha em e através da dor e das aflições de seu povo para sua própria glória e a santificação de seu povo. É difícil suportar sofrimento prolongado, mas a dificuldade é grandemente aliviada quando ouvimos nosso Senhor explicando o mistério no caso do homem nascido cego, que Deus chamou para muitos anos de dor para a glória de Jesus.


Por R. C. Sproul. Extraído do site ligonier.org. © 2013 Ligonier Ministries. Original: Suffering and the Glory of God. Este artigo faz parte da edição de Fevereiro de 2013 da revista Tabletalk sobre “União com Cristo”.
Tradução: Alan Cristie. Revisão: Vinícius Musselman Pimentel – Editora Fiel © Todos os direitos reservados. Website: blogfiel.com.br. Original: O “Ser” de Deus e a Apologética

sexta-feira, 1 de março de 2013

Conhecimento Impossível


Jesse Campos

Jesse Campos é pastor titular da Igreja Batista de Bragança desde 1987. É bacharel em Teologia pela Faculdade Teológica Batista de São Paulo; possui mestrado em Divindade pelo Southwestern Theological Baptist Seminary (USA) e em Filosofia pela Baylor University (USA), e Unicamp. É doutor em Ministério na área de Apologética pela Baylor University (USA). Jesse é casado com Patricia Campos, com quem tem duas filhas.

Nos filmes "Matrix", na porta da "Oracle" há uma placa com a frase grega, numa versão em latim: "Conhece-te a ti mesmo". Pausânias, pesquisador e viajante do segundo século, registrou que a frase estava escrita no oráculo de Delfos no Templo de Apolo. A autoria dela é incerta e tem sido atribuída a diversos pensadores da antiguidade, incluindo Sócrates, Tales e Pitágoras. A origem é incerta, mas o desafio desse pensamento, muitas vezes agonizante, não é. Uma das mais profundas lutas do ser humano é conhecer a si mesmo. Bonhoeffer, o pastor e teólogo que foi preso e morto por ordem de Hitler, escreveu na prisão um poema inquietante: "Quem Sou Eu?".

A modernidade, movida pela idade da razão dos séculos passados, cria que a razão humana era suficiente para conhecer tudo e que atingiria o conhecimento absoluto e universal. Vivemos dias quando essa confiança na razão se enfraqueceu, se não de todo, desapareceu. Sabe-se que a razão humana tem uma visão sempre limitada e parcial. Alguém já disse que todos conhecem a partir de algum lugar. O conhecimento humano é definido pelo ângulo da posição finita do observador ou conhecedor. É um conhecimento parcial, se não tendencioso.

Se isso é verdade com relação ao conhecimento externo, não é menos verdade quanto à interioridade ou a conhecer-se a si mesmo. Mas, se o individuo não é suficiente em si mesmo para conhecer a ele próprio, então ele necessita recorrer a alguém além dele. Ele necessita, porque ninguém é um ser íntegro e significativo enquanto não conhecer a si mesmo. Por isso, muitos recorrem a outro ser humano, como a algum conselheiro das ciências humanas, ansiando conhecer a si mesmo. Mas isso apenas leva o problema para um passo a frente. Sendo o conhecimento humano parcial e limitado, assim também é o conhecimento do conselheiro. É inevitável conectar essa busca de aconselhamento com a indagação de Cristo: "Pode um cego guiar outro cego?" (Lucas 6.39). Séculos antes de Cristo, o salmista já lidou com essa questão, porém, de um modo totalmente diferente. Ele clamou: "Sonda-me, ó Deus, e conhece o meu coração; prova-me e conhece minhas inquietações" (Salmo 139.23). Diante da insuficiência do conhecimento humano, sobra apenas Deus para responder a ansiedade do autoconhecimento. O ser humano conhece parcialmente a partir de um lugar, mas Deus conhece a partir de todos os lugares. E é preciso haver esse conhecimento absoluto e divino, ou o ser, existência e realidade ficam desprovidos de qualquer nexo e significado. O vazio, inquietação e agonia que isso causa é nitidamente revelado no destroçar das pessoas na atualidade.

Reconhecendo a limitação encontrada em si mesmo, o salmista vai se abrigar no conhecimento de Deus - "...conhece o meu coração". Ele quer o conhecimento de Deus, especialmente sobre si mesmo. Porém, o termo conhecer, aqui usado, precisa ser entendido. Não se trata apenas de informação. Esse termo é usado nas Escrituras Sagradas para o conhecimento relacional e formativo. Um relacionamento de amor. A preocupação do salmista não é um mero coletar de informação. E nem é transferência de informação de Deus para ele. Isso seria impossível. O que o salmista quer é que Deus o conheça. Se ele fosse conhecido por Deus, a vida dele faria todo sentido e cada passo dele seria discernido e esclarecido a partir de Deus. Se ele fosse conhecido de Deus, então haveria uma luz além de si mesmo para seus temores, fracassos, preconceitos e vazio. O fato de ser conhecido por Deus não é apenas conhecimento pleno, mas é conhecimento que dá significado e forma à existência. Assim o salmista concluiu o salmo: "guia-me pelo caminho eterno".

Deus abriu esse conhecimento a todos a partir da cruz de Cristo. No encontro com a verdade da cruz, somos conhecidos por Deus e reconhecemos nossa necessidade de depender do conhecimento e direção de Deus. E nesse conhecimento, nossos fracassos e erros são tratados e alcançamos um sentido eterno. Na cruz, pela nossa punição colocada em Cristo, Deus revela quem somos diante dele, mas também nos recebe em perdão eterno. E então, relacionados com Ele, mesmo enquanto limitados, descansamos no fato de que somos dele, formados e dirigidos por Ele – o soberano e eterno. Em Cristo, Deus nos conhece no seu conhecimento pleno, mas em amor e graça.

Bonhoeffer, o pastor morto na prisão de Hitler, assim concluiu seu poema: "Quem sou eu? Este ou outro? Sou uma pessoa hoje e outra amanhã?... Ou há alguma coisa ainda em mim, como um exército derrotado, fugindo em debandada da vitória já alcançada? Quem sou eu?... Seja quem for eu, Tu sabes, ó Deus, que sou Teu!".