terça-feira, 28 de junho de 2016

A melhor oração de todas









Por Martinho Lutero


Vocês, orem assim: Pai nosso, que estás nos céus! Santificado seja o teu nome. (Mateus 6.9)

Após ter denunciado orações pomposas e sem sentido, Cristo apresentou uma esplêndida e curta oração dele próprio. Com ela, ele nos instruiu sobre como orar e sobre o que devemos orar. Ele nos deu uma oração que engloba uma variedade de necessidades. Por si mesmas, essas necessidades deveriam nos obrigar a abordar Deus diariamente com essas poucas palavras facilmente lembradas. Nenhum de nós pode se desculpar dizendo que não sabemos como orar ou pelo que orar.

Orar a oração do Pai-Nosso todos os dias certamente é um hábito que vale a pena, especialmente para pessoas comuns e crianças. Nós podemos orá-la de manhã, à noite e à mesa da refeição – em qualquer horário. Ao fazer essa oração juntos, trazemos nossas necessidades diante de Deus.

Como foi-nos dito muitas vezes, a oração do Pai-Nosso é a melhor oração que alguém poderia ter criado ou que já foi enviada do céu. Pelo fato de Deus, o Pai, ter dado ao seu Filho palavras para a oração e lhe enviado para apresentá-la, sabemos sem dúvida que essa oração agrada ao Pai imensamente.

Já no início da oração, com as palavras “Pai nosso”, Jesus nos lembra do que Deus ordena e promete. Deus insiste que lhe prestemos o respeito, a honra e a reverência que ele merece, assim como os pais terrenos esperam de seus filhos. Deus Pai deseja também que creiamos que ele satisfará as nossas necessidades. E assim, porque confiamos que ele nos dará o que prometeu, podemos orar a ele com confiança no nome de Cristo, nosso Senhor.


>> Retirado de Somente a Fé – Um Ano com Lutero. Editora Ultimato.


terça-feira, 21 de junho de 2016

Deus não age somente no extraordinário



Por Michael Horton


Radical. Épico. Revolucionário. Transformador. Impactante. Transformador de vida. Definitivo. Extremo. Impressionante. Emergente. Alternativo. Inovador. No limite. A próxima onda. Descoberta explosiva.

Provavelmente, você pode adicionar outros termos à lista de modificadores que se tornaram, ironicamente, parte das conversas comuns na sociedade e na igreja de hoje. A maioria de nós já ouviu expressões como essas tantas vezes que elas já se tornaram um lugar-comum. Mesmo que os anúncios nos tenham deixado um pouco exaustos, estamos ansiosos para levar as coisas para “um outro nível”.

 “Comum” deve ser uma das palavras mais solitárias do nosso vocabulário hoje. Quem quer um adesivo de carro que anuncie para o bairro: “Meu filho é um estudante comum da escola estadual local”? Quem quer ser essa pessoa comum que vive em uma cidade comum, é um membro de uma igreja comum, tem amigos comuns e trabalha em um emprego comum? Nossa vida tem que contar para alguma coisa. Temos que deixar a nossa marca, ter um legado, fazer a diferença. Precisamos ser discípulos radicais, levar nossa fé a um nível totalmente novo. E tudo isso deve ser algo que posa ser gerenciado, medido e mantido. Temos que fazer jus ao nosso perfil no Facebook.

E, no entanto, sinto uma inquietação crescente com esta inquietação. Alguns têm se cansado das chamadas constantes à mudança radical por meio de métodos novos e melhorados. Essas pessoas estão menos certas de que querem aderir ao próximo movimento ou trilhar novos caminhos para a grandeza. Rod Dreher observa:

Cotidianidade é o meu problema. É fácil pensar sobre o que você faria em uma guerra, ou se um furacão atingisse a cidade, se você passasse um mês em Paris, se o seu candidato ganhasse a eleição, se você ganhasse na loteria ou comprasse aquela coisa que você realmente queria. É muito mais difícil imaginar como você vai conseguir vencer o dia de hoje sem se desesperar.

Em seu livro sobre sua irmã, The Little Way of Ruthie Leming (“O pequeno caminho de Ruthie Leming”), Dreher sinaliza uma crescente sensação de cansaço com o culto ao extraordinário.

Inquietos pela próxima grande novidade

Estou convencido de que uma das razões para a nossa obsessão com o ser extraordinário é a cultura do reavivamento que moldou o protestantismo americano. Especialmente através do evangelista Charles G. Finney (1792-1875), o reavivalismo adotou uma teologia centrada no homem e encontrou métodos adequados para isso. Ao colocar a salvação nas mãos do indivíduo endurecido, o evangelista precisava de “novas medidas suficientes para induzir o arrependimento”. Como Richard Hofstadter observou, “o sistema de estrelato não nasceu em Hollywood, mas no rastro das cruzadas de evangelismo”. O foco não estava tanto no evangelho e nos meios de graça apontados por Deus, mas no evangelista e em seus métodos para produzir avivamento.

O raciocínio era de que a mensagem e os métodos instituídos por Cristo eram muito fracos, comuns demais. Não é o que acontece na igreja e em casa durante toda a semana que realmente importa, mas sim o dia em que o reavivamento chegou à cidade e você foi “gloriosamente salvo”, como minha avó costumava dizer.

Um contemporâneo de Finney, o pastor e teólogo reformado John W. Nevin, contrastou “o sistema do banco” (o precursor da chamada ao altar) e “o sistema do catecismo”:

A antiga fé Presbiteriana, na qual nasci, foi baseada na ideia de uma religião da família da aliança, em membresia na igreja por um ato santo de Deus através do batismo e em seguida em uma formação catequética regular do jovem, com referência direta a sua vinda à mesa do Senhor. Em suma, tudo procedia da teoria de uma religião educacional e sacramental.

Estes dois sistemas, Nevin concluiu, “envolvem, no fim das contas, duas teorias diferentes de religião”. A conclusão de Nevin foi justificada pelos desenvolvimentos subsequentes.

Perto do fim do seu ministério, ao considerar a condição de muitos que tinham experimentado seus reavivamentos, o próprio Finney se perguntou se esse anseio sem fim por experiências cada vez maiores poderia levar à exaustão espiritual. Suas preocupações se mostraram fundamentadas. A área onde os avivamentos de Finney foram especialmente dominantes agora é chamada por historiadores de o “distrito incinerado”, um lugar fértil tanto para a desilusão quanto para a proliferação de seitas esotéricas. Este tem sido o ciclo vicioso do reavivalismo evangélico desde então: um pêndulo entre o entusiasmo e desilusão, em vez de amadurecimento constante em Cristo através da participação na vida comum da comunidade da aliança.

Se o crescimento gradual em Cristo é trocado por uma experiência radical, não é de se estranhar que muitos comecem a procurar a próxima grande novidade assim que a mais recente experiência marcante se vai. Mesmo em minha própria vida, eu testemunhei (e participei de) um desfile de movimentos radicais. E agora, de acordo com a revista Time, o “novo calvinismo” é uma das principais tendências que estão mudando o mundo. Este movimento também tem sido identificado como dos “jovens, inquietos e reformados”. Mas, enquanto ele for definido pela inquietação juvenil, ele pode tender a deformar o que significa ser reformado.

Quando eram pescadores mais jovens, meus filhos não conseguiam deixar suas linhas na água tempo suficiente para pegar qualquer coisa viva. Eles ficavam sempre recolhendo a linha para ver se tinham apanhado algo. Então, quando quiseram plantar morangos com minha esposa, seu entusiasmo inicial logo se transformou em tédio quando, depois de apenas alguns dias, não viram qualquer fruto.

Ser jovem é ser inquieto. Ficamos perdidos em devaneios impacientes e impulsos egoístas. Mas somos chamados várias vezes no Novo Testamento a crescer, a amadurecer, a deixar nossas coisas de menino. Somos chamados a submeter-nos aos mais velhos, a apreciar a sabedoria que não abrange apenas anos, mas gerações, e a perceber que não temos todas as respostas. Nós não somos as estrelas de nosso próprio filme. Se todo o aparato da vida da igreja for projetado por e para uma cultura jovem, então nós nunca cresceremos.

Então, pelo menos de certa forma, a nossa inquieta impaciência com o comum não é apenas influência de nossa cultura, mas também influência de pontos de vista pouco sólidos do discipulado cristão que moldaram a cultura ao longo de gerações.

Renovando o respeito pelo comum

Antes de mais nada, qualquer renovada apreciação pelo comum começa com Deus. É claro que Deus dificilmente pode ser considerado “comum”, contudo, ele tem prazer em trabalhar de formas comuns. Nosso Deus trino poderia fazer tudo sozinho, direta e imediatamente. Afinal, ele disse: “Haja luz”, e houve luz (Gn 1.3). No entanto, ele também disse: “produza a terra relva”. E “a terra, pois, produziu relva” (v. 12). Deus não é menos fonte última da realidade quando está trabalhando dentro da criação para que ela “produza” seus propósitos do que quando está diretamente chamando as coisas à existência.

Na Providência, a forma comum de Deus trabalhar deve nos surpreender com admiração. O que poderia ser mais comum do que o nascimento de uma criança? Não precisamos chamá-la de milagre para nos admirarmos com a obra de Deus. Mesmo a forma de trabalho normal de Deus é estupenda. Embora os profetas e apóstolos tenham sido chamados para um serviço extraordinário, eles eram pessoas comuns que comunicavam a Palavra de Deus em linguagem comum.

Vemos essa diversidade até mesmo na Encarnação. Deus assumir nossa carne no ventre de uma virgem não é nada menos que uma intervenção direta e milagrosa na história. Ainda assim, ele assumiu sua humanidade a partir de Maria pela forma comum, por meio de uma gravidez normal de nove meses. O parto do Deus encarnado tampouco foi de forma milagrosa. Ele também cresceu em aspectos comuns, através de meios comuns: “E crescia Jesus em sabedoria, estatura e graça, diante de Deus e dos homens” (Lc 2.52).

Além disso, o milagre extraordinário do novo nascimento vem até nós do alto, mas somos unidos a Cristo através da pregação comum do evangelho. Algumas conversões são radicais, outras são graduais. Em quaisquer casos, é obra milagrosa de Deus através dos meios comuns de graça.

Em todas estas formas, Deus é o ator, mesmo quando age por meio de suas criaturas. Nós não subimos até Deus; antes, ele desce até nós e nos comunica graça através de palavras e ações que podemos compreender.

Comum não significa medíocre. Atletas, arquitetos, filantropos e artistas podem atestar a importância da fidelidade diária em tarefas mundanas para que se chegue à excelência. Porém, mesmo que não sejamos pessoas de destaque em nossos vários chamados, é suficiente saber que somos chamados por Deus para manter uma presença fiel em seu mundo. Nós olhamos para Deus com fé, e para o nosso próximo com amor e com boas obras. Você não precisa transformar o mundo para ser fiel como mãe, pai, irmão, membro da igreja ou vizinho.

E, quem sabe? Talvez, se descobrirmos as oportunidades do comum, um carinho pelo familiar e uma admiração pelo ordinário, podemos acabar sendo radicais, afinal.


Michael Horton. © 2014 Ligonier. Original: Ordinary Christian Work.
Este artigo faz parte da edição de agosto de 2016 da revista Tabletalk.

Tradução: João Paulo Aragão da Guia Oliveira. Revisão: Yago Martins. © 2016 Ministério Fiel. Todos os direitos reservados. Website: MinisterioFiel.com.br. Original: Deus não age somente no extraordinário


Fonte: http://voltemosaoevangelho.com/blog/2016/06/deus-nao-age-somente-no-extraordinario/

quarta-feira, 15 de junho de 2016

INCONFORMISMO

Por João Marcos Bezerra


Quando ouvimos falar sobre inconformismo o que vem a nossa mente? O que é ser inconformado? Em Rm 12.2 diz: “Não vos conformeis com este século, mas transformai-vos pela renovação da vossa mente” (RA). A NVI traz: “Não se amoldem ao padrão deste mundo, mas transformem-se pela renovação da sua mente”. Ou seja, ser inconformado é não se amoldar. Mas, não se amoldar a quê? Ser inconformado com o quê? Com o sistema que governa o mundo pecaminoso.
Os discípulos de Jesus devem seguir o exemplo do Mestre e seguir o padrão de Deus para nós. E onde está este padrão? Na Bíblia! A Revelação do Criador para a humanidade. Ela apresenta diversas orientações para vivermos da melhor maneira no mundo e de como seguir a vontade do Senhor. Infelizmente, não damos o real valor e aplicação da Palavra em nossas vidas. Por isso, amoldamos a nossa vida ao padrão deste mundo.
John Stott destaca quatro obstáculos a nossa vida cristã que quero compartilhar aqui com vocês. A primeira delas é o Pluralismo, que, em linhas gerais, defende que todos os tipos de crenças são importantes para a humanidade. Este desafio “rejeita as alegações cristãs de perfeição e singularidade, e entende a tentativa de converter qualquer pessoa... uma atitude de arrogância total”. Então, esta tendência afirma que Cristo não é o único caminho a Deus, negando João 14.6.
Então, como devemos enfrentar o Pluralismo como cristãos? Em 2Timóteo 2.15 diz que devemos nos apresentar como obreiro aprovado que maneja bem a Palavra da Verdade; e em 1Pedro 3.15 está escrito que temos que está preparado para responder com mansidão e temor a todo aquele que pedir a razão da nossa esperança. Então, precisamos ter humildade para ouvir e respeitar as crenças dos outros, mas também ter convicção daquilo que cremos e nunca abrir mão de dizer que só existe um único Deus, criador dos céus e da terra; que Seu Filho, Jesus Cristo, é o único caminho, a verdade e a vida; e que é por meio deste que há salvação.
O segundo desafio que enfrentamos atualmente é o Materialismo. A sede pelo ter é o que governa a humanidade hoje. Quem não deseja ou já desejou esbanjar e viver no luxo? Esta é uma tendência que pode colocar em risco o nosso crescimento espiritual, pois as coisas materiais podem tomar o lugar do Senhor em nosso coração. Por isso, em Mateus 6.24 diz que não podemos servir a Deus e as riquezas, devido o poder que este pode exercer em nós.
O apóstolo Paulo traz diversas referências para orientar o povo de Deus na vitória sobre o materialismo. Em Filipenses 4.11 escreve que ele mesmo aprendeu a se contentar com qualquer situação, seja fartura ou pobreza. Em 1Timóteo 6.6 diz que “grande fonte de lucro é a piedade com contentamento”. Com isso, é importante lembrar que devemos ser gratos ao Senhor pelo que temos, confiar Nele para suprir as nossas necessidades e subordinar tudo o que é material ao serviço no Senhor.
O próximo desafio é algo diretamente ligado ao Pluralismo. Estou falando do Relativismo Ético. Todo tipo de padrão ético e moral é relativo, pois está diretamente relacionado à cultura em que está inserido. No filme “Código Gênesis” a professora de antropologia, numa conversa com o pastor, defende que tudo é relativo e que a postura absolutista dos cristãos é arrogante e inaceitável, mas quando é questionada sobre a circuncisão feminina em algumas tribos, ela se coloca como uma ativista contrária a esta prática, ou seja, o relativo dá lugar ao absoluto nesta questão para ela que defende o relativismo. Vejo que esta tendência causa muita confusão em certos momentos.
Infelizmente, alguns crentes admitem este Relativismo Ético e querem aceitar relações extraconjugais, sexo antes do casamento, casamento homossexual e o divórcio. O verdadeiro discípulo de Jesus deve defender a Bíblia como a Palavra da Verdade, que liberta (Jo 8.32), que é útil para ensinar, corrigir, instruir em justiça; “a fim de que o homem de Deus seja perfeito e perfeitamente preparado para toda boa obra” (2Tm 3.16) e para que, por meio desta Palavra, “todo aquele que Nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna” (Jo 3.15). Assim como também o discípulo radical deve aplicar os mandamentos bíblicos em sua vida, baseado em João 14.21: “aquele que tem os meus mandamentos e os guarda, esse é o que me ama”.
Por fim, o último desafio em que devemos ser inconformados é no Narcisismo e Hedonismo. O amor excessivo por si mesmo e a busca desmedida pelo prazer são tendências que governam a humanidade e tem levado muitos a acreditarem que olhando para dentro de si a solução para os problemas será encontrada. Infelizmente, isto também tem levado alguns cristãos a buscarem a Deus somente para alimentar o amor e o prazer próprio. Esta não é a postura do discípulo radical.
A Palavra de Deus deixa claro que devemos amar a Deus de todo o coração, alma, entendimento e forças e também ao próximo como a nós mesmos (Mc 12.30,31); que o amor por si mesmo é sinal dos últimos dias (2Tm 3.1-5); e que só achará a vida quem perde-la por amor a Cristo (Mt16.25). Então, o amor e o prazer próprio não encontra base nos ensinamentos de Cristo porque Ele mesmo se esvaziou da Sua natureza divina para tomar a forma de homem e nos servir (Fp 2.5-7).
Por fim, reescrevo o que John Stott escreve na página 20 do livro supracitado:
         Em face dessas tendências, somos chamados a um inconformismo radical, não a um conformismo medíocre. Diante do desafio do pluralismo, devemos ser uma comunidade de verdade, declarando a singularidade de Jesus Cristo. Diante do desafio do materialismo, devemos ser uma comunidade de simplicidade, considerando que somos peregrinos aqui. Diante do desafio do relativismo, devemos ser uma comunidade de obediência. Diante do desafio do narcisismo, devemos ser uma comunidade de amor.

1º Estudo da Série - Texto base: Rm 12.1,2; Lv 18.3,4


quinta-feira, 9 de junho de 2016

A face da fé, qual é?


Por Robson Santos Sarmento


‘’A maior e mais verídica manifestação da fé se chama gratidão e o quão singular, além de inegável, ter sido esse o ato e a decisão de Deus, em favor da humanidade, através de Jesus de Nazaré; em outras palavras, há, houve, haverá e não se removerá essa gratidão pelo ser humano, por pessoas, por gente, e não pergunte tanto sobre o por qual motivo; então, eis o chamado a ser seguido pelos discípulos das boas novas, ou seja, a gratidão pela vida que se encontra no próximo, ao qual também nos incluímos. ’’

A crucificação tinha se consumado e, num passe de mágica, num piscar de olhos, sem ninguém acalentar qualquer expectativa ou arriscar um palpite certeiro, Jesus aparece e os discípulos se enredam num estado de assombro, incertezas e perplexidades. 

Em meio a esse cenário, quantas questões e respostas pulsavam nos recônditos daqueles homens. Mesmo assim Jesus insiste e se apresenta como homem, com marcas e a nossa caminhada, por aqui, traz isso, em cada um de nós. Sem sombra de dúvida, marcas geradas pelas tradições, pelas relações humanas, diretas ou indiretas, pelas conquistas, pelas perdas, pelos não (s) e pelos sim (s). 

Deve ser dito, Jesus não fez nenhum avassalador discurso, nenhuma revelação apoteótica veio a tona, nenhuma profecia bombástica também, simplesmente, pediu algo para comer. Nada mais desprovido de efeitos de uma visão evangélica estonteante e de deixar muitos de boca aberta. O sol não parou, o mar não se abriu, pragas não foram lançado em face dos carrascos do Messias, o Império Romano não foi fulminado e, numa frontal postura, comeu um pedaço de peixe. 

De certo, essa maneira de agir vai a direção oposta as exigências dos homens pelas provas fenomenais, pelas intervenções supremas e isto nos leva a repensarmos sobre a nossa maneira de conceber o evangelho, dentro dessa tresloucada cultura dos excessos e das exigências. 

Grosso modo, Jesus parou, teve fome, não escondeu sua face de homem, mostrou e demonstrou os sentidos, os sentimentos, a paixão pela vida e enquanto fazia algo meramente de seres transitórios, transmitia aos discípulos o coração – útero de sua mensagem, ou seja, a ideia fundamental do arrependimento e do perdão de todo o processo de alienação, de marginalização, de exclusão, de sectarismo, de bons e maus, de justos e anátemas, de abominados e predestinados. Verdadeiramente, Jesus expressa a face da fé, ao qual não se encontra nos sinais, nos prodígios, nas maravilhas, porque são relâmpagos de seu maior e mais verídico efeito, ao qual arrisco denominar de gratidão. 

Aliás, digo isso, porque sem gratidão se torna impossível agradar a Deus e aqui vejo um chamado simples, objetivo, específico e intrigante da Igreja. Ultimamente, perdemos a capacidade para sentar e sentir os sabores de uma boa conversa, de uma prosa descompromissada para estabelecer quem está certo ou errado, de permitir ao Carpinteiro dos Recomeços remover as arestas, tirar os entulhos, apontar o caminho a ser feito. Sinceramente, o episódio narrado em Lucas 24. 36- 49, desmascara um Cristo mitológico, gnóstico, idealista e apresenta - O na mesa e ali desnuda os segredos de lutar, de insistir, de não arredar o pé da vida e do próximo. 

Tristemente, multidões correm, pra lá e cá, atrás de uma benção, de um socorro, de um paliativo, de um afago e acabam levedadas por engodos, por mandamentos estúpidos e por fundamentalismos megalomaníacos. Noutro lado da moeda, em Cristo Jesus, Deus decidiu em favor da humanidade, do próximo, de eu e você, do rico e pobre, do judeu e gentio, de todas as tribos, os povos, as raças e as nações e essa configura uma vida de fé, de gratidão (ao qual não significa conformismo, fazer vistas grossas para as calamidades e atrocidades) pela vida. 

É bem verdade, observamos a fé, como um processo de crença e recompensa, mas, opostamente, sublinho pelo inclinar de Jesus para abrir nossas mentes ou, melhor dito, tornar – nos livres, abertos para construirmos pontes de diálogo de esperança, de justiça, de misericórdia, de inspiração, de criatividade e de esperar o toque da trombeta com essa gratidão que não vem de nós. Então, a face da fé se chama a gratidão de Deus, a qual veio em favor da humanidade, a cada um de nós e, por isso, tenho a escolha por estendê-la, como testemunhas confessionais.



Fonte: http://www.ultimato.com.br/comunidade-conteudo/a-face-da-fe-qual-e

sábado, 4 de junho de 2016

SIMPLICIDADE E CLAREZA DAS ESCRITURAS

Por Grant R. Osborne


Desde os últimos anos do período patrístico com sua regula fidei (“regra de fé”), a igreja tem lutado com a “perspicuidade (ou clareza) das Escrituras”, ou seja, se elas estão realmente ao alcance da compreensão humana. Não é à toa que os estudiosos da Bíblia são sempre acusados de tirar do leitor comum o acesso às Escrituras. Depois que um texto é dissecado e submetido a uma legião de teorias acadêmicas, o não especialista exclama com tristeza: “Tudo bem, mas o que isso tem a ver comigo? Eu consigo estudar esse texto?”. Com toda certeza, a própria consciência da multidão de opções de interpretação de passagens bíblicas é o grande choque que atinge os calouros de seminários e faculdades. Fica até difícil culpar uma pessoa se, depois de olhar para a profusão de possíveis interpretações sobre praticamente todas as declarações bíblicas, ela deixar de afirmar o princípio de que é fácil compreender as Escrituras! Isso, porém, é confundir os princípios da hermenêutica com a mensagem do evangelho em si. O que é complexo é o exercício de transpor o abismo entre a situação original e os nossos dias, não o significado que resulta disto.

Lutero (em A escravidão da vontade) proclamou a clareza básica das Escrituras em duas áreas: clareza externa, que ele chamou de aspecto gramatical, obtida pela aplicação das leis da gramática (princípios hermenêuticos) ao texto; e a clareza interna, que ele chamou de aspecto espiritual, obtida quando o Espírito Santo ilumina o leitor no ato da interpretação. Ao falar de clareza, é óbvio que Lutero se referia ao produto final (a mensagem do evangelho) e não ao processo (a recuperação do significado de textos específicos). Porém, no século passado, a aplicação da teoria do realismo do senso comum da Escola Escocesa às Escrituras levou muitos a admitir que qualquer um poderia entender sozinho a Bíblia, e que a superfície do texto por si só é suficiente para produzir significado. Portanto, a necessidade de princípios hermenêuticos para transpor o abismo cultural foi desprezada, e as interpretações individuais se multiplicaram. Por alguma razão, ninguém percebeu que isso dava margens a significados múltiplos e, de vez em quando, em heresias. O princípio da perspicuidade foi estendido também ao processo hermenêutico, o que causou equívocos na interpretação popular das Escrituras e uma situação que ainda hoje é bem complicada. Como disciplina, a hermenêutica exige um processo de interpretação complexo, para que se traga à tona a clareza original da Bíblia. Assim, mais uma vez, o resultado fica claro, mas o processo, não; isso também deveria orientar os sermões!

Assim, todas essas coisas são muito confusas, e a pessoa comum tem todo o direito de perguntar se a compreensão da Bíblia é algo que cada vez mais está ficando reservado para a elite acadêmica. Eu diria que não. Em primeiro lugar, há diferentes níveis de compreensão: devocional, estudo bíblico básico, homilético, dissertações e teses. Cada nível tem seu valor e seu processo. Além disso, qualquer pessoa tem o direito de aprender os princípios hermenêuticos que se aplicam a esses vários níveis. Basta querer. Eles não estão reservados a “elite” alguma, mas à disposição de quem tiver interesse e vontade de aprendê-los. Os fundamentos da hermenêutica podem e devem ser ensinados no contexto da igreja local. Ao longo deste livro, espero poder tratar dos vários níveis de compreensão.


OSBORNE, Grand R.,  A Espiral Hermenêutica, uma nova abordagem à interpretação bíblica, Ed. Vida Nova, pags. 32 a 34.


Fonte: http://e-cristianismo.com.br/teologia/bibliologia/simplicidade-e-clareza-das-escrituras.html