Este pensamento lhe perturba? Não deveria. O mundo não vê nenhum valor no sofrimento. Também não tem nenhuma razão para ver. Mas os cristãos estão em uma posição diferente, pois a Bíblia lhes garante que Deus santifica o seu sofrimento e produz, ao final, um resultado bom. Não devemos nem mesmo fingir mostrar, em uma exibição de orgulho estóico, que não sentimos nenhuma dor ou angústia. Por outro lado, não devemos passar o nosso precioso tempo discorrendo sobre como sofremos, porque isto seria uma autocomiseração pecaminosa. Em qualquer dos casos, existem coisas mais importantes a serem feitas. Nossa tarefa é suportar o sofrimento, não como se fosse algo prazeroso, pois não o é, mas com o entendimento de que Deus não deixará que ele nos massacre e que o usará, sobrenaturalmente, para produzir, pelo menos, três bons resultados.
1. Nosso Sofrimento Produz Caráter. Deus faz com que as nossas feridas sejam um instrumento para nossa transformação moral, nos assemelhando à imagem do nosso Salvador. "E não somente isto, mas também nos gloriamos nas próprias tribulações, sabendo que a tribulação produz perseverança; e a perseverança, experiência; e a experiência, esperança" (Rm 5.3,4; Tg 1.2-4). A maneira como isto acontece é explicada em Hebreus 12.5-11, conforme já vimos anteriormente. O escritor, tendo conclamado os seus leitores para que corram a corrida da vida com os olhos fixos em Jesus, sem dar nenhum espaço para o pecado, segue dizendo-lhes que suas dores e aflições são o treinamento moral aplicado pelo Pai celestial, infligidos, não como resultado de uma indiferença brutal, mas para conduzi-los a um estágio de vida santa. "É para disciplina que perseverais (Deus vos trata como a filhos); pois que filho há que o pai não corrige? (...) Pois eles nos corrigiam por pouco tempo, segundo melhor lhes parecia; Deus, porém nos disciplina para aproveitamento, a fim de sermos participantes da sua santidade. Toda disciplina, com efeito, no momento não parece ser motivo de alegria, mas de tristeza; ao depois, entretanto, produz fruto pacífico aos que têm sido por ela exercitados, fruto de justiça" (Hb 12.7,10,11). As cicatrizes ligam-se à santidade. A dor tem um efeito educacional.
Dor educacional? Isto soa muito brutal! Mas ela é algo muito real! "Que filho há que o pai não corrige?" Pais que realmente amam seus filhos gastam tempo em sua disciplina, quando jovens, para que possam, um dia, ser adultos que irão deixá-los orgulhosos. Esta é a pura verdade. Qual é a alternativa? "Se estais sem correção (...) sois bastardos e não filhos" (Hb 12.8). O cenário triste, no qual o pai biológico não assume a responsabilidade pelo bem-estar de seus filhos ilegítimos (e dos legítimos também, em alguns casos), era tão familiar no mundo antigo quanto o é no inundo atual. O fato é que, sem a santidade que vem por meio da disciplina de Deus, "ninguém verá o Senhor" (Hb 12.14). Mas se Deus está usando o problema para nos treinar na área da retidão, aqui e agora, isto mostra que ele está nos preparando para uma eternidade de alegria com o nosso Senhor Jesus Cristo sentado à sua destra. É assim que o nosso Santo Pai, no céu, trabalha para o nosso bem.
A educação divina, que estamos discutindo agora, tem dois lados. O primeiro foi expressado por George Whitefield, o famoso evangelista do século 18 que falou do nosso bondoso Senhor colocando espinhos em nossas camas para evitar que, como aconteceu com os discípulos no Getsêmani, não sejamos achados dormindo, quando deveríamos estar vigiando e orando. Assim como o desconforto corporal nos mantém acordados fisicamente, a ausência de situações confortáveis e contentes nos manterão espiritualmente alertas.
O segundo lado é revelado pela palavra dada por Jesus a cada um que queira ser seu discípulo, quando disse: "Se alguém quer vir após mim, a si mesmo se negue, dia a dia tome a sua cruz e siga-me" (Lc 9.23; cf. 14.27). As únicas pessoas, nos dias de Jesus, que carregavam suas próprias cruzes eram os marginais, escravos ou não-judeus, condenados a levá-las até o lugar de sua crucificação. Eles eram pessoas que tinham perdido os seus direitos civis e a quem a sociedade havia declarado que os preferia ver mortos, cujo sofrimento iminente e devemos nos lembrar que a crucificação era a forma mais cruel de execução -não motivaria ninguém a fazer nada por eles. Jesus, ao final de sua vida, literalmente, juntou-se a esta categoria. Mas o que ele estava dizendo, nas palavras mencionadas anteriormente, era que, moralmente, já se encontrava crucificado, pela atitude negativa do povo em relação a ele. Os seus seguidores, então, precisam também, claramente, aceitar tal atitude negativa da comunidade ao seu redor, pois isto é o que acontecerá se eles forem leais ao Senhor.
Este é o significado real do "negar-se a si mesmo" - não um simples retorno à alguma forma de comodismo privado, mas uma submissão total do desejo natural de ter um bom status, aceitação e respeito. Implica em estar preparado para ser rejeitado como alguém sem valor e dispensável e destituído dos seus próprios direitos.
Schmidt, corretamente, enfatiza este ponto:
Em sua primeira epístola, Pedro escreve: "Se quando praticais o bem, sois igualmente afligidos e o suportais com paciência, isto é grato a Deus" (IPe 2.20). Ele começa o versículo seguinte, dizendo: "Porquanto, para isto mesmo fostes chamados" (IPe 2.21), e segue descrevendo o exemplo de Cristo. O sofrimento construtivo, ou a dor educacional, é essencial em uma vida de fé. O apóstolo Paulo também expressa esta mesma idéia. Em Romanos 8.17, ele faz do sofrimento uma condição da herança eterna, chamando os cristãos de "co-herdeiros com Cristo". Se, de fato, "com ele sofrermos, também com ele seremos glorificados". Em Filipenses 1.29, Paulo escreve que "vos foi concedida a graça de padecerdes por Cristo, e não somente de crerdes nele".
O sofrimento é, então, visto como uma vocação que nos prepara para a glória com Cristo ao nos aproximar da santidade de ser como Cristo, em nossa reação à nossa experiência de querer o que não temos, enquanto tendo o que não queremos.
A palavra grega traduzida por "experiência", em nossa tradução Revista e Atualizada, é dokime, que, muitas outras versões, traduzem por "caráter". Estritamente falando, este termo expressa o pensamento complexo de uma qualidade provada, reconhecida e aprovada como tal, por uma pessoa ou grupo interessado - neste caso, o próprio Deus. A razão pela qual dokime traz esperança (confiança de que a alegria e a glória com Cristo serão a nossa herança final) não é a de
que as pessoas que permaneceram firmes, ao longo dos momentos de abundância e de penúria, podem, agora, expressar votos de confiança nelas mesmas, mas que o Deus, a quem elas servem, gera dentro delas uma convicção de que, pela força dele, elas foram aprovadas nos testes que ele mesmo impôs. Sua paciência, ao mostrarem lealdade a ele, mesmo diante da pressão que passaram, foi, na verdade um dom de Deus para elas, e isto as deixou mais fortes do que nunca. Os cristãos que têm passado por tempos difíceis por causa do Senhor são produtos testados, de qualidade comprovada. Dokime indica este estado de experiência triunfante, com o selo da aprovação divina estampado sobre eles.
Paulo diz que dokime produz esperança. Nosso entendimento da glória da vida por vir é aprimorado e nosso desejo por ela é intensificado, em ambos os casos, como uma derivação espontânea do conhecimento da aprovação divina e como um fruto direto do entendimento de que a agonia tem, de fato, aumentado a nossa capacidade de nos alegrar na glória final, quando ela acontecer. Paulo é bastante claro a respeito disto, em 2 Coríntios 4.17,18, quando, falando a partir de suas experiências de ter a vida posta em risco (1.8-10), ele diz, não com ironia, mas expressando sua honesta avaliação retrospectiva: "Porque a nossa leve e momentânea tribulação produz para nós eterno peso de glória, acima de toda comparação, não atentando nós nas cousas que se vêem, mas nas que se não vêem; porque as que se vêem são temporais, e as que se não vêem são eternas". Naturalmente, não é o pensamento de Paulo, que o sofrimento conduz à glória, no sentido de que o trabalho gera o salário; nem que cria a glória, no sentido de que o escultor cria a estátua. A sua intenção é deixar claro que, da mesma maneira que uma pessoa, após ter passado por enfermidades e dor, aprecia muito mais a saúde do corpo, o sofrimento nos deixa mais preparados do que estávamos antes para apreciar a glória que há de vir. O texto de Romanos 8 contém uma avaliação e testemunho semelhantes: "Porque para mim tenho por certo que os sofrimentos do tempo presente não podem ser comparados com a glória a ser revelada em nós (...) E não somente ela, mas também nós, que temos as primícias do Espírito, igualmente gememos em nosso íntimo, aguardando a adoção de filhos, a redenção do nosso corpo (...) Mas, se esperamos o que não vemos, com paciência o aguardamos". Como parte integral na formação do caráter cristão, que o fogo do sofrimento aprimora, está a profunda paixão pela alegre esperança e esperançosa alegria.
Esta paixão, que podemos ver fortemente presente, tanto em Cristo quanto em Paulo, também achava-se presente em Moisés. "Pela fé, Moisés, quando já homem feito, recusou ser chamado filho da filha de Faraó, preferindo ser maltratado junto com o povo de Deus a usufruir prazeres transitórios do pecado; porquanto considerou o opróbrio de Cristo por maiores riquezas do que os tesouros do Egito, porque contemplava o galardão (Hb 11.24-26, grifo meu). Deixemos Moisés ser um exemplo de vida para nós em termos da nossa esperança de descobrir, como Paulo disse, que, como a ausência faz aumentar a paixão do coração, assim também a pressão faz a esperança mais luminosa. Quando os cristãos perseveram, mesmo diante dos sofrimentos, no poder do Espírito Santo, o resultado normal é a esperança ainda mais radiante.
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