terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Onde Posso Encontrar Segurança?

Tullian Tchividjian

Há um tempo, em outro texto que publiquei, eu destaquei que a confiança na minha transformação não é a fonte de minha segurança. Antes, a fonte de minha segurança vem da fé na substituição de Cristo. A segurança nunca parte de nós mesmos. Apenas surge como conseqüência de olhar para Cristo.

Como resultado, algumas pessoas me fizeram esta pergunta: "Mas espere um pouco... considerando que Deus nos salva e o Espírito começa sua obra de renovação em nossas vidas, essa obra de renovação interior não deveria constituir uma fonte de segurança? Não seria pelo menos um caminho para saber que estamos justificados diante de Deus?"

Quero ser bem explícito sobre o que estou falando quando trato do fundamento da nossa segurança. Na verdade, a obra santificadora do Espírito na vida do cristão dá fruto (Gálatas 5.22-23). Deus nos faz crescer na "graça e conhecimento de nosso Senhor Jesus Cristo". Em Cristo, morremos para o pecado e ressuscitamos para uma novidade de vida (Romanos 6.4). E esta vida nova destaca-se em novos afetos, novos apetites, novos hábitos. Começamos a amar as coisas que Deus ama e odiar as coisas que Deus odeia. Começamos a crescer dentro de nossa vida nova, ressuscitada.

Mas quando a Bíblia fala especificamente do fundamento da segurança, está fazendo a pergunta: "Como o homem pode então estar justificado diante de Deus?" (Jó 25.4). Segurança tem a ver, em outras palavras, com a confiança da consciência na absolvição final diante de Deus. Quando falamos de segurança estamos falando do julgamento final – qual será o veredicto divino final sobre nós. Nossa segurança depende de nossa certeza de que Deus no juízo final dirá "Inocente!"

A Bíblia é explícita de que Deus exige perfeição moral. Ela nos diz inequivocamente que Deus é santo e, portanto, não tolera qualquer vestígio de falta de santidade. Defeitos, manchas, ou sujeiras – por pequenos que sejam – são inaceitáveis e merecem a ira de Deus. E no caso de eu estar enganado pensando que a minha melhoria moral operada pelo Espírito desde que eu me tornei um cristão está me garantindo nota, Jesus (no Sermão do Monte) destaca o que a perfeição de Deus inclui: "Não apenas atos externos mas sentimentos e motivações internos devem ser absolutamente puros. Jesus não condena apenas o adultério mas a concupiscência, não apenas o homicídio mas a ira – prometendo o mesmo julgamento para ambos" (Gene Veith).

Em Mateus 5-7, Jesus quer que percebamos que por mais que imaginemos que estamos melhorando, a exigência "vocês devem ser perfeitos como o vosso Pai do céu é perfeito" vem a ser o alvo e não "como eu melhorei nos últimos anos", e perceber que falta-nos uma perna para ficar em pé quando temos de responder a pergunta: "Como posso estar justificado diante de Deus"? 

Nossa transformação, nossa pureza, nosso crescimento em santidade, nossos avanços morais e sucessos espirituais – despertados pelo Espírito como deveriam ser – simplesmente carecem da santidade que Deus exige. E considerando que "o veredicto inocente" depende da ausência de pecado, a segurança é em ultima instância derivada da perfeição, não do progresso.

Portanto, se Deus exige perfeição e não há segurança definitiva sem ela (Deus não está avaliando em curva, afinal), que esperança posso ter então, imperfeito como sou?

A resposta do Novo Testamento a esta pergunta é singular:

No evangelho encontra-se revelada uma justiça de Deus, uma justiça que é pela fé do começo ao fim, exatamente como está escrito: "O justo viverá por fé" (Romanos 1.17). "Pois todos pecaram e carecem da glória de Deus, sendo justificados gratuitamente, por sua graça, mediante a redenção que há em Cristo Jesus" (Romanos 3.23-25). 

"Mas, ao que não trabalha, porém crê naquele que justifica o ímpio, a sua fé lhe é atribuída como justiça" (Romanos 4.5). A consciência recebe segurança apenas quando é criada a fé viva pelo Espírito através da proclamação do Evangelho de que Deus justifica o ímpio. A justificação de que precisamos vem de Deus "mediante a fé em Cristo Jesus, para todos [e sobre todos] os que crêem" (Romanos 3.22). A vida que vivemos, vivemos pela fé "no Filho de Deus, que me amou e a si mesmo se entregou por mim" (Gálatas 2.20). Portanto a fé é a única pedra de toque – o milagre dado por Deus de crer na impossível realidade de que Deus me perdoa e me ama por causa do que Cristo realizou em meu benefício. A segurança acontece quando o dom da fé dado por Deus, operado pelo Espírito, capacita-me a crer que estou perdoado para sempre, que a justiça de Cristo é considerada minha, de que em Cristo Deus não considera os meus pecados como sendo meus (2 Coríntios 5.19). Somos justificados (reconhecidos como justos) somente pela graça, somente através da fé, em Cristo somente. A exigência de Deus da perfeição moral foi satisfeita por Cristo em nosso lugar (Mateus 5.17). Portanto, a segurança não pode nunca ser encontrada na minha busca. Só pode acontecer pela fé – crendo naquele que "foi entregue por causa das nossas transgressões e ressuscitou por causa danossa justificação" (Romanos 4.25).

Martyn Lloyd-Jones nos ajuda aqui: 
"Podemos expô-lo assim: o homem que tem fé é o homem que não está mais olhando para si mesmo nem vendo a si mesmo. Ele não olha para nada que ele foi antes. Ele não olha para o que é agora. Ele nem mesmo olha para o que espera ser em resultado de seus próprios esforços. Ele olha totalmente para o Senhor Jesus Cristo e Sua obra consumada, e descansa apenas nisso. Ele deixa de dizer: "Ah, sim, eu cometia pecados terríveis, mas agora faço isto e aquilo." Ele para de dizer isso. Se ele continua dizendo isso, não tem fé. A fé se expressa de uma maneira totalmente diferente e faz um homem dizer: "Sim eu pecava seriamente, vivi uma vida de pecado, mas agora sou um filho de Deus porque não estou me apoiando na minha própria justiça; minha justiça está em Jesus Cristo e Deus colocou isso na minha conta."
A verdadeira segurança, em outras palavras, fundamenta-se não em alguma palavra ou obra que vem de mim, mas na palavra do evangelho que vem de fora e nos convence do que Jesus fez. Nossa segurança está ancorada no amor e na graça de Deus expressos na troca gloriosa: nosso pecado pela justiça. João Calvino escreveu: "A fé em resumo é um reconhecimento firme e certo da benevolência de Deus para conosco, fundamentado na verdade da promessa gratuitamente concedida em Cristo, revelada a nossas mentes e selada em nossos corações pelo Espírito Santo" (Institutes, 1.51[3.2.7]) E, considerando que nossa fé sempre é fraca e oscilante, precisamos ser lembrados destas boas novas o tempo todo comunicadas através da pregação e confirmadas nos sacramentos.

No exemplar de Fevereiro de 2003 de New Horizons, Peter Jensen escreve:

"O evangelho do Senhor Jesus Cristo diz que o fundamento de nossa segurança é nossa justificação. Em Romanos 5.1, Paulo escreve que "justificados, pois, mediante a fé, temos paz com Deus por meio de nosso Senhor Jesus Cristo". A fé em Jesus Cristo (que é por si mesma um dom de Deus) nos deu acesso "a esta graça na qual estamos firmes" (v.2). Não permanecemos em alguma experiência que tivemos, não estamos em qualquer progresso que tenhamos feito, não estamos em nosso sucesso na batalha contra o pecado. Permanecemos na graça de nosso Senhor Jesus Cristo, pela qual ele nos justificou."

Do que precisamos nos lembrar é que "diante do trono de Deus nos céus" somos (e em nós mesmos sempre seremos) imperfeitos – portanto, nenhuma segurança existe em olharmos para nós mesmos. Mas, "diante do trono de Deus nos céus, tenho uma justificativa perfeita" – e essa forte justificativa não é minha transformação imperfeita pela graça, não é o meu amor a Deus e ao próximo, não é quanto eu cresci através dos anos. Essa justificativa forte e perfeita é Jesus Cristo – sola!
Tendo morrido o Salvador imaculado,
Minha alma pecadora é considerada livre,
Pois o justo Deus está satisfeito
Quando olha para Ele e me perdoa.
Portanto, "quando Satanás me tenta com o desespero e me fala da culpa que há em mim", se olhar para dentro estou em grandes apuros. Mas, se "olhar para cima para aquele que acabou com todo o meu pecado", então, através do milagre da fé, eu posso dizer ao acusador que ruge por causa dos pecados que cometi, "eu sei que todos eles e milhares mais, Jeová não considera mais". É por causa disto (e neste contexto) que eu conto a história do velho pastor que, no seu leito de morte, disse à sua esposa que tinha certeza de ir para o céu porque não se lembrava mais de nenhuma boa obra que tivesse praticado. Sua segurança fundamentava-se pela fé onde a verdadeira segurança pode fundamentar-se: a obra perfeita de Cristo por nós, não nossas obras imperfeitas. Semelhantemente, o grande teólogo holandês Herman Bavinck foi interrogado em seu leito de morte se estava com medo de morrer, e respondeu: Eu tenho minha fé, e nela tenho tudo.

Tenha segurança: Diante de Deus a justiça de Cristo é tudo o que precisamos; diante de Deus, a justiça de Cristo é tudo o que temos.


William Graham Tullian Tchividjian é o pastor da Igreja Presbiteriana Coral Ridge em Ft. Lauderdale, Florida. É professor visitante de Teologia no Reformed Theological Seminary e neto do conhecido pregador e evangelista Billy Graham. É formado em filosofia pela Universidade de Columbia e obteve seu M.Div pelo Reformed Theological Seminary. Tullian é autor de vários livros e contribui como um dos editors do jornal Leadership Journal. Ele é preletor em diversas conferência teológicas nos EUA e faz um programa de rádio, com meditações e pregações. É casado com Kim, com quem tem três filhos Gabe, Nate, e Genna.


Traduzido por: Yolanda M.Krievin
Editor: Tiago J. Santos Filho

Copyright©2012 Tullian Tchividjian
Copyright©2012 Editora Fiel

Traduzido do original em inglês: Where Can I Find Assurance? – Extraído do Site:The Gospel Coalition.

domingo, 29 de janeiro de 2012

Imploro-lhes que sejam abundantes em boas obras e beneficência - Richard Baxter











Richard Baxter dedica o primeiro capítulo de seu The Reformed Pastor para tratar da forma que o pastor deve atender a si mesmo. O trecho a seguir é retirado deste capítulo e dá um conselho muito útil àqueles que desejam pregar o evangelho. 



Procurem os pobres e conheçam suas necessidades; mostrem compaixão em relação à sua alma e aos seus corpos. Comprem-lhes um catecismo e outros pequenos livros que lhes façam bem e peçam-lhes que prometam ler com cuidado e atenção. Abram seus bolsos ao máximo e façam todo o bem que puderem. Não se concentrem em riquezas mundanas nem busquem grandes coisas para si mesmos e para seus descendentes. Caso empobreçam por fazer o bem, terá sido ganho ou perda? Se os senhores realmente creem que Deus é o provedor do sustento, e que gastar no seu serviço é o maior investimento, ajam com base no que creem. Sei que sangue e carne lutarão para manter sua presa e não desejarão que algo seja dito contra seus interesses; no entanto, gravem bem o que digo (e que o Senhor o inculque em seus corações): se alguém tiver no mundo alguma coisa tão preciosa que não possa entregá-la a Cristo, tal pessoa não será verdadeiramente cristã. Digo mais: um coração carnal – que não acredita que Cristo poderá pedir algo que ele não esteja disposto a entregar – a si mesmo se engana, pois não se dispõe a gastar em favor de Cristo exatamente aquilo que tem de ser gasto, isto é, tudo – e não será verdadeiramente crente. Um coração falso corrompe o entendimento e alimenta as próprias ilusões. Não pretendam fazer amigos com as riquezas deste mundo, mas ajuntem tesouros de justiça, ainda que lhes sobre pouco na terra. Fazendo-se pobre na terra, nada perderão no céu. Na caminhada , quanto mais leves, melhor caminhamos.


Meras palavras não conseguirão arrancar o dinheiro das mãos do homem de coração carnal e avarento. Falem quanto quiserem. Falar é uma coisa, mas crer é outra. Entretanto, as palavras da verdade prevalecem no coração dos crentes. Que abundância de bem teriam os ministros, se desprezassem o mundo, suas riquezas e glórias, e aplicassem tudo o que têm no serviço do Mestre, constrangendo a carne para ter com que fazer o bem! Tal generosidade faria mais em termos de abrir os corações para receber a doutrina do que toda oratória existente. Sem generosidade, a singularidade da fé parecerá hipocrisia. “Quem pratica a generosidade ora ao Senhor; que arrebata um homem do perigo oferece rico sacrifício; tais são nossos sacrifícios santos para com Deus. É mais consagrado entre nós quem é menos consciente de si mesmo”, disse Minucius Felix1. Não precisamos fazer como aqueles que entregam suas propriedades e se retiram para os monastérios – e, no entanto, nada devemos possuir exceto aquilo que temos em mãos para zelar como mordomos de Deus.

Notas

1. Minucius Felix foi um advogado do período pré-niceno, cuja obra Octavius (século 2o ou 3o d.C.) é considerada como a primeira defesa cristã escrita em latim. Entretanto, não se sabe ao certo se ele é anterior a Tertuliano. M. Felix é de origem norte-africana e converteu-se ao Cristianismo já no final de sua vida. A obra Octavius é um escrito apologético, cujo fim principal é defender o Cristianismo, e é escrita em forma de diálogo, que apresenta uma conversa entre três amigos, numa praia próxima a Roma: Cecílio, um pagão, e dois cristãos: o narrador e o amigo comum, Otávio. Cecílio era um cético, ou seja, entendia não ser possível o conhecimento da verdade. Otávio, então, tem o objetivo de convencer o amigo de que a verdade é possível no Cristianismo [N. do E.].

Fonte: http://www.e-cristianismo.com.br/pt/puritanos/231-imploro-lhes-que-sejam-abundantes-em-boas-obras-e-beneficencia

domingo, 15 de janeiro de 2012

Autoglorificação - João Calvino (1509-1564)

A verdade de Deus, indubitavelmente, prescreve que devemos examinar-nos a nós mesmos, isto é, ela requer conhecimento de tal molde que não só nos afaste para longe de toda confiança de capacidade pessoal, mas ainda, destituídos de toda razão de gloriar-nos, nos conduza à submissão. Esta regra convém manter, caso queiramos atingir à justa meta, seja do saber, seja do agir.


Nem me é oculto o quanto se deve aplaudir esse parecer, seja que nos convida antes a considerar o que haja de bom em nós, ou a atentar para nossa deplorável miséria, juntamente com nossa indignidade, a qual nos deve esmagar de vergonha.

Com efeito, nada há que a natureza humana mais cobice que ser afagada por lisonjas. E por isso onde ouve que seus predicados se revestem de grande realce, para esse rumo propende com extrema credulidade. Portanto, não é de admirar que, neste ponto, se haja transviado, de maneira profundamente danosa, a maioria esmagadora dos homens. Ora, uma vez que é ingênito a todos os mortais que sintam um cego amor por si mesmos, de muito bom grado se persuadem de que nada neles existe que, com justiça, deva ser abominado. Dessa forma, mesmo sem influência de fora, por toda parte obtém crédito esta opinião totalmente fútil: que o homem é a si amplamente suficiente para viver bem e venturosamente. Porque, se alguns há que se revelam possuidores de mais modéstia, a tal ponto que concedam algo a Deus para não parecer que atribuem tudo a si mesmos, de tal maneira repartem entre Deus e eles, que a principal parte da glória, e toda a presunção, sempre fica para eles.

Ora, se uma palavra ocorre que, com seus afagos, lisonjeie o orgulho que faz espontâneo comichão nas entranhas do homem, nada há que mais o deleite. Daí, ao ser acolhido com grande aplauso de quase todos os séculos, cada um, com seu encômio, sente que foi exaltada mui favoravelmente a excelência da natureza humana. Mas, na verdade, qualquer que seja tal enaltecimento da excelência humana que ensine o homem a estar satisfeito em seu íntimo, com nenhuma outra coisa mais se encanta do que com essa afabilidade própria; e de fato tanto o engana, que todos quantos concordam com isso, na mais deplorável ruína os perde. Pois, a que leva, estribados em toda fútil confiança pessoal, deliberar, planejar, tentar, empreender aquilo que julgamos pertinente à condição, e já em nossos primeiros esforços de fato nos quedamos deficientes e carentes, seja de são entendimento, seja da verdadeira virtude, contudo prosseguirmos, obstinadamente, até que nos precipitemos à ruína? E, no entanto, aos que confiam poder fazer algo de sua própria capacidade não pode suceder de outra maneira.

Portanto, se alguém dá ouvidos a tais mestres que nos incitam a tão-somente mirarmos nossas boas qualidades, não avançará no conhecimento de si próprio; ao contrário, se precipitará na mais ruinosa ignorância.

As Duas Facetas do real Conhecimento de nós mesmos – João Calvino

Daí, embora a verdade de Deus nisto concorde com o consenso geral de todos os mortais, a saber, que o segundo aspecto da sabedoria reside no conhecimento de nós mesmos, entretanto é grande a divergência na própria maneira de alcançar esse conhecimento. Ora, segundo o método da carne em seu julgar, o homem parece ter aprofundado conhecimento de si até que, arrimado tanto em seu entendimento, quanto em sua integridade, se deixa dominar pela ousadia e se incita aos reclamos da virtude, e declarada guerra aos vícios tenta aplicar-se com todo empenho àquilo que é nobre e honroso.

Quem, no entanto, se mira e examina segundo a norma do juízo divino, nada encontra que eleve seu ânimo à genuína confiança pessoal. E quanto mais penetrantemente a si perscruta, tanto mais se deprime, até que, havendo abdicado inteiramente a toda confiança pessoal, nada deixa a si mesmo para regular a vida retamente.

Contudo, tampouco quer Deus que nos esqueçamos de nossa nobreza primeva, nobreza que conferira a nosso pai Adão, nobreza que por certo deve, com razão, despertar nosso zelo pela justiça e pela bondade. Pois não podemos sequer pensar, seja em nossa própria condição original, seja para quê fomos criados, que não sejamos acicatados a meditar na imortalidade e a anelar pelo reino de Deus. Tão longe está, porém, este reconhecimento de fomentar-nos a presunção, ao contrário, subjugada esta, à humildade nos prostra.

Ora, que condição original é essa? Evidentemente, aquela da qual decaímos. Qual é o propósito de nossa criação? Aquele do qual estamos de todo alienados. Por isso, enfastiados de nossa mísera situação, gemamos; e, gemendo, suspiremos por aquela dignidade perdida. Quando, porém, dizemos que ao homem importa nada ver em si próprio que o torne presunçoso, queremos dizer que nada existe nele cujo arrimo se deva tomar como motivo de orgulho.

Portanto, se assim se prefere, dividamos o conhecimento de si próprio que o homem deve ter, de tal modo que, em primeiro lugar, considere para que fim foi criado e provido de dotes que não se deve desprezar, mercê de cuja reflexão se desperte à meditação do culto divino e da vida futura; em segundo lugar, pondere suas capacidades; ou, de fato, sua carência de capacidades, a qual, uma vez percebida, se prostre em extrema confusão, como que reduzido a nada.

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Por Que Devemos Ser Explicitamente Teológicos



Kevin DeYoung


Se não me engano, nossa igreja tem uma reputação de ser bastante teológica. Sei que por isso muitas pessoas têm vindo à nossa igreja. E imagino por que algumas pessoas têm saído dela, ou nem sequer nos procuraram. Mas nenhuma igreja deveria se desculpar por falar e gostar de teologia. Contudo – isto é uma importante advertência – se somos arrogantes com a nossa teologia, se a nossa paixão doutrinária é simplesmente um objetivo intelectual eticamente duvidoso, ou se somos completamente desproporcionais em nossos afetos para com outras doutrinas não tão consideráveis, então que o Senhor nos repreenda. Não devemos ficar surpresos se a teologia receber uma péssima classificação em tais circunstâncias. 

Mas quando se trata de pensar, alegrar-se e edificar uma igreja sobre fundamentos bíblicos saudáveis, deveríamos todos desejar uma igreja profundamente teológica. Eu poderia citar muitos motivos para pregar teologicamente e muitos motivos para pastorear uma congregação que ama teologia. Vou citar seis:
  1. Deus se nos revelou na sua palavra e nos deu o seu Espírito para que pudéssemos compreender a verdade. Obviamente, não precisamos dominar todos os temas das Escrituras para sermos cristãos. Deus é gracioso para salvar muitos de nós com falhas de discernimento. Mas se temos uma Bíblia, sem mencionar os empecilhos materiais quando se trata de recursos impressos, por que não gostaríamos de entender o máximo possível da auto-revelação de Deus? Teologia é saber mais de Deus. Você não gostaria que sua igreja conhecesse mais de Deus?
  2. O Novo Testamento dá muito valor ao discernimento entre a verdade e o erro. Há um depósito de verdade que deve ser resguardado. Falsos ensinamentos devem ser lançados fora. Os bons ensinamentos devem ser promovidos e defendidos. Isso não acontece com alguns candidatos a Ph.D. insensíveis que se consomem diante de microfichas. Foi a paixão dos Apóstolos e do próprio Senhor Jesus que elogiou a igreja em Éfeso por ser intolerante com os falsos mestres e que odiava o comportamento dos Nicolaitas.
  3. Os mandamentos morais do Novo Testamento são fundamentados em proposições teológicas. Tantas epístolas de Paulo têm uma estrutura dupla. Os capítulos iniciais apresentam doutrina e os capítulos posteriores nos exortam à obediência. Doutrina e vida estão sempre conectadas na Bíblia. É por causa das misericórdias de Deus, à vista de todas as realidades sólidas teológicas em Romanos 1-11, que somos convocados a entregar nossas vidas como sacrifícios vivos em Romanos 12. Conheça a doutrina, conheça a vida. Nenhuma doutrina, nenhuma vida.
  4. Categorias teológicas nos capacitam mais e nos fazem regozijar mais profundamente na glória de Deus. Verdades simples são maravilhosas. É bom cantar hinos simples como "Deus é bom. Sempre!" Se você cantar isso com fé sincera, o Senhor se agrada. Mas ele também se agrada quando podemos cantar e orar sobre exatamente como ele tem sido bom conosco no plano da salvação e no alcance da história da salvação. Ele se agrada quando nos gloriamos na obra completa de Cristo, quando descansamos em sua providência todo-abrangente, e nos maravilhamos na sua infinitude e auto-existência; quando podemos nos deleitar em sua santidade e meditar na sua Trindade e Unidade e nos maravilhar com sua onisciência e onipotência. Estas categorias teológicas não têm a intenção de nos encher a cabeça, mas nos dar corações maiores que adoram com mais profundidade e sermos mais altos porque pudemos ver melhor o que há em Deus.
  5. A teologia nos ajuda e nos ensina a nos regozijar mais profundamente nas bênçãos que são nossas em Cristo. Repito, é doce saber que Jesus nos salva dos nossos pecados. Não há notícia melhor do que essa no mundo. Mas como seu deleite será mais completo e mais profundo se você compreender que a salvação significa eleição pela graça de Deus, expiação para cobrir seus pecados, propiciação para desviar a ira divina, redenção para comprá-lo para Deus, justificação diante do trono do julgamento de Deus, adoção na família de Deus, santificação constante pelo Espírito, e glorificação prometida no fim dos tempos. Se Deus nos deu tantas e tão variadas bênçãos multiplicadas em Cristo, não lhe ajudaria a honrá-lo compreendendo quais são elas?
  6. Até mesmo (ou seria especialmente) os que não são cristãos precisam de boa teologia. Eles não se entusiasmam quando ouvem uma pregaçãoordo salutis seca. Mas quem deseja pregações secas seja sobre lá o que for? Se você pode falar de maneira simpática, apaixonada, e simplesmente sobre as bênçãos da vocação verdadeira, da regeneração e da adoção, e sobre como todas essas bênçãos que se encontram em Cristo, e sobre como a vida cristã é nada mais nem menos do que aquilo que somos em Cristo, e como isto significa que Deus realmente deseja que sejamos sinceros, quando nascidos de novo e não como éramos nascidos no pecado – se você der tudo isso aos que anão são cristãos, e o der explicitamente, você lhes dará uma porção de teologia. E, se o Espírito de Deus estiver operando, eles poderão simplesmente voltar para buscar mais.
Não existem motivos para qualquer igreja ser algo menos do que robustamente teológica. As igrejas continuarão sendo de todos os formatos e tamanhos. Mas "sem teologia", ou pior, "anti-teológicas" elas não deveriam ser.


Kevin DeYoung é o pastor da University Reformed Church em East Lasing, MI, EUA. Obteve sua graduação pelo Hope College e seu mestrado pelo Gordon-Conwell Theological Seminary. É autor de diversos livros, preletor em conferências teológicas e pastorais, é cooperador do ministério "The Gospel Coalition" e mantém um Blog na internet "DeYoung, restless and reformed". Kevin é casado com Trisha com quem tem 4 filhos.


Traduzido por: Yolanda Mirdsa Krievin

Copyright © Kevin DeYoung 2011
Copyright © Editora Fiel 2011

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Nossa incapacidade não serve como desculpa, ela nos condena! Josemar Bessa


Não está no poder de um homem natural converter-se, porque é uma nova criação. Como não podemos fazer-nos criaturas, também não podemos fazer-nos novas criaturas. " Assim que, se alguém está em Cristo, nova criatura é; as coisas velhas já passaram; eis que tudo se fez novo. -." 2 Coríntios 5:17

Mas alguém pergunta: Mas por que Deus nos ordena converter-nos se não temos o poder? Ezequiel 18:31:" Lançai de vós todas as vossas transgressões com que transgredistes, e fazei-vos um coração novo e um espírito novo..." Ezequiel 18:31

A resposta é óbvia: Certa vez, certa época, o homem tinha o poder. Deus nos deu um estoque de santidade, mas nós o perdemos. Se um mestre dá o seu dinheiro ao empregado para empregar em seu serviço e este o desperdiça e rouba, não pode o mestre exigir seu dinheiro dele? Embora tenhamos perdido nossa capacidade de obedecer a Deus; Deus não perdeu Seu direito de comando. A incapacidade humana é fruto e consequência do seu próprio pecado.


                                            Sola Gratia!!
                                          
                                          Josemar Bessa


Fonte: http://www.josemarbessa.com/2011/12/nossa-incapacidade-nao-serve-como.html

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

A Lei e o Evangelho


Fred Malone 

Se eu pudesse melhorar a eficácia das pregações pastorais e o cuidado pastoral na igreja, convocaria todos os pastores para assimilar a doutrina da Lei e o Evangelho nas Escrituras. Quando pela primeira vez fui servir como sócio de Ernie Reisinger em 1977, ele exigiu que eu estudasse Romanos 6.14 sobre a Lei e o Evangelho e colocou em minhas mãos um livro: The True Bounds of Christian Freedom (Os Verdadeiros Laços da Liberdade Cristã) de Samuel Bolton. O livro de Ernie sobre a Lei e o Evangelho contém muito daquilo sobre o que conversamos naqueles dias.

Há muita controvérsia e ignorância sobre esta doutrina nos dias de hoje. Os erros nesta doutrina desovaram o dispensacionalismo, a teonomia, a nova perspectiva de Paulo, o hiperconvencionalismo, o legalismo, o antinomianismo, o evangelismo sem profundidade, a santificação superficial, os erros de adoração e o misticismo antibíblico. Mas os nossos antepassados reformados e batistas de um modo geral não sucumbiram a tais erros antes de 1900. Por que não? Creio que foi porque compreendiam a doutrina bíblica da Lei e do Evangelho. Pode-se vê-lo na suas declarações de fé e suas obras. [1] Espero que os pastores de hoje, especialmente os pastores batistas, tornem a estudar esta doutrina e reformulem suas vidas e ministérios através dessas verdades.

Charles Bridges, autor de The Christian Ministry (O Ministério Cristão), disse:

O sinal de um ministro "aprovado, como obreiro que não tem do que se envergonhar" é o "que maneja bem a palavra da verdade."... Esta revelação é dividida em duas partes — a Lei e o Evangelho — essencialmente diferentes; mas tão intimamente ligadas, que o conhecimento exato de uma não pode ser obtido sem a outra. [2]

Se o entendimento da doutrina da Lei e do Evangelho é tão importante, então cada seminário deveria ensiná-la corretamente e cada pastor deveria dominá-la. Neste pequeno artigo, vamos examinar a doutrina esquadrinhando Romanos 6.14, exegeticamente e pastoralmente.



Exegeticamente

"Porque o pecado não terá domínio sobre vós; pois não estais debaixo da lei, e sim da graça" (Romanos 6.14).

O contexto deste versículo é a discussão de Paulo sobre santificação. Paulo ensinou que todos pecaram e perderam a glória de Deus (Romanos 1-3). Também ensinou que os pecadores arrependidos foram de uma vez por todas justificados somente pela fé em Cristo (Romanos 4-5). Essa justificação uma-vez-por-todas talvez atraia alguns a procurar vantagens na graça de Deus e continuar a pecar para que a graça abunde (6.1). Mas Paulo rejeitou tal pensamento sobre santificação como impossível para o homem justificado (Romanos 6-8). Por quê? Porque "o pecado não terá domínio (autoridade, governo, tirania) sobre vós; pois não estais debaixo da lei, e sim da graça" (6.14).

Esta não é uma declaração imperativa, uma ordem para obedecer. É uma declaração de fato, indicativa. Poderíamos chamá-la de promessa de Paulo aos cristãos romanos. Esta declaração explica por que é impossível para o homem justificado viver sob o domínio do pecado como acontece com o que não é convertido. Ele está debaixo da graça. Estar debaixo da graça é ficar livre da escravidão do pecado, que é o estado natural de todos os homens debaixo da lei. Deus não vai permitir a tirania do pecado na Nova Aliança de Jesus Cristo (Jeremias 32.40). "Vamos pecar para que a graça abunde" não deve ser o princípio que opera nos que foram justificadas de-uma-vez-por-todas pela fé somente (Romanos 5.1-2). Alguma coisa que existe debaixo da graça não permite. Tudo mais é fé falsa, ainda debaixo da lei.

Debaixo da Lei

Se Paulo estivesse falando apenas a cristãos judeus, debaixo da lei poderia ser uma referência principalmente à Aliança do Sinai, como em Hebreus. Contudo, os cristãos romanos eram principalmente gentios. Estar debaixo da lei nesta passagem não pode significar que estivessem antes debaixo da lei ou da aliança mosaica. Mas Paulo diz que esses gentios estavam antes debaixo da leie, portanto, condenados sob o domínio do pecado.

Paulo explica que todos os homens estão "debaixo da lei" no que se refere a Deus em Adão como a cabeça da raça humana e, portanto, condenados pela transgressão de Adão (Romanos 5.12-19):
"Portanto, assim como por um só homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado a morte, assim também a morte passou a todos os homens, porque todos pecaram... Pois assim... por uma só ofensa, veio o juízo sobre todos os homens para condenação... (Romanos 5.12,18).

Adão foi colocado debaixo da lei como princípio operante em seu relacionamento com Deus. Se ele obedecesse as Leis Divinas perfeitamente, seria abençoado; se as desobedecesse, seria amaldiçoado. Esta aliança-da-lei com Adão geralmente é chamada de Aliança das Obras (da Vida, do Éden, etc.; Oséias 6.7). Deus também o declarou como cabeça e representante da aliança de toda a raça humana. [3] Portanto, todos os homens estão condenados no pecado de Adão contra a exigência divina da perfeita obediência à lei. No pecado de Adão contra as Leis Divinas, enquanto estava debaixo da lei de Deus, ele e todos os seus descendentes estavam debaixo da lei com ele e ficaram sob a condenação de Deus por deixar de guardar "a Lei" perfeitamente. Todos os homens nasceram debaixo do pecado porque nasceram condenados debaixo da lei na Aliança das Obras, tanto judeus como gentios (Romanos 3.19-20).

As Leis que todos os homens são culpados de transgredir debaixo da lei são mais do que a lei particular de não comer o fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal. São as Leis Divinas morais, os dois grandes mandamentos, resumidos nos Dez Mandamentos, o reflexo da imagem de Deus no homem. Até os gentios, que não tiveram a revelação mosaica, fizeram "por natureza" as coisas "da Lei", com sua consciência dando testemunho, porque eles tinham a "Norma da Lei gravada no seu coração" como Adão tinha, embora agora estivessem corrompidos (Romanos 2.14-16).

O que a Lei era originalmente no coração de Adão debaixo da lei e continua escrita no coração de todos os homens? Em Romanos 2.14-16, esta Lei é definida no contexto como "a lei da natureza", o resumo dos Dez Mandamentos, que os judeus receberam depois e transgrediram (1.21,22;7.7; roubo, adultério, idolatria, cobiça). Assim, todos os homens estão condenadosdebaixo da lei por não obedecer perfeitamente à Lei de Deus.

Na verdade, "a força do pecado é a lei" (1 Coríntios 15.56). A Lei por si mesma pode apenas revelar a natureza santa de Deus, a imagem moral original de Deus no homem, e definir o pecado e a justiça. Ela em resumo desperta o pecado por nossa incapacidade de cumpri-la perfeitamente e não pode nos justificar (Romanos 7.8-10). Quanto mais tentamos cumpri-la para nos justificar diante de Deus, mais falhamos pecando. Todos os homens estão sob o domínio do pecado porque estão debaixo da lei diante de Deus. Portanto, o pecado é o nosso senhor enquanto estamos debaixo da lei.

Debaixo da Graça

Contudo, nosso texto também ensina que todos os cristãos verdadeiros, justificados uma-vez-por-todas, foram transferidos da condição debaixo da leiem Adão para debaixo da graça na autoridade e salvação de Cristo. Isto geralmente é chamado de Aliança da Graça. Embora a aliança de Adão fosse uma aliança com base na lei, a aliança de Cristo é uma aliança baseada na graça. Foi anunciada em Gênesis 3.15, profetizada através das "alianças da promessa" do Antigo Testamento e cumprida na Nova Aliança da graça de Jesus Cristo.

Estar em Cristo é estar debaixo da graça tão somente pela fé e não maisdebaixo da lei para salvação por meio da obediência perfeita na aliança fracassada de Adão. Cada um permanece ou em Adão debaixo da lei ou em Cristo debaixo da graça, mas não em ambas as condições ao mesmo tempo. Por isso devemos pregar o Evangelho da graça a todos os homens.

Estar debaixo da graça significa que o pecado não pode ter domínio sobre nós porque a graça em Cristo nos liberta da condenação da perfeita obediência-à-Lei em Adão. Isso acontece através da vida de nosso Senhor de perfeita obediência-à-Lei e  da sua morte expiatória pelos transgressores da lei. Você não pode realmente entender a cruz sem entender a Lei. Debaixo da graçasignifica que Deus nos garante a justificação pela fé somente em Jesus Cristo através de Sua perfeita expiação pelo pecado e a imputação de Sua justiça perfeita como um dom. Também significa que o novo nascimento grava a Lei de Deus em nossos corações de modo que de novo temos nela prazer (Jeremias 31.31-34, 32.40; Romanos 7,22). Esta "graça na qual estamos firmes" por toda a caminhada cristã impele e fortalece o pecador perdoado a amar a Deus e guardar os Seus mandamentos sem medo da condenação. Debaixo da graça, o crente não sente mais que a obediência à Lei de Deus é um fardo que condena, mas um privilégio alegre dos salvos debaixo da graça (Romanos 3.24, 5.2, 5.15, 5.21, 6.14-15).

O cristão vive debaixo da graça de acordo com a Lei de Deus de modo que o pecado já não tem mais domínio sobre ele. Embora o cristão ainda cometa pecados contra os mandamentos de Deus mesmo debaixo da graça, o poder do pecado, que é a condenação da lei, foi quebrado. A santificação, então, é o exercício diário da fé salvadora em Cristo, redimido por Seu sangue e coberto com Sua justiça, pela fé justificadora na qual procuramos guardar a Lei de Deus debaixo da graça. Por isso Jesus disse: "Se me amais, guardareis os Meus mandamentos." A fé operante através do amor a Deus é a evidência de estardebaixo da graça. E essa fé sempre funciona.



Pastoralmente

Evangelismo

Tendo perdido a importância da Lei de Deus para revelar o pecado ao pecador, o evangelismo hoje tornou-se cada vez mais superficial. Mas "pela lei vem o pleno conhecimento do pecado" (Romanos 3.19-20). O pecado em muitas apresentações não aparece em termos de transgressão aos Dez Mandamentos e condenação diante de Deus. Portanto, o arrependimento também é deixado de fora. Como resultado, muitos que supostamente reagem ao convite do evangelho nunca se arrependeram da transgressão da lei e não se comprometeram a viver uma vida santa, obediente. Os registros em nossas igrejas batistas estão cheios deles. O verdadeiro evangelismo deve pregar o Evangelho da libertação do domínio do pecado debaixo da lei. Mas se a Lei não é usada para definir o pecado, como os pecadores saberão até que ponto são pecadores e a que tipo de vida santa estão se comprometendo?
Compreender que o Evangelho leva os pecadores a passarem da ilegalidade para a redenção e para a guarda-da-lei revitalizaria as apresentações evangelísticas e a pregação com uma explícita convocação para abandonar o pecado e seguir a Cristo como Senhor. Os erros do "cristão carnal" e o misticismo exaltado sem a orientação da Lei de Deus seriam resolvidos com o recebimento da salvação. Então a convocação para ser discípulo de Cristo seria mais do que uma política de seguro para o céu. Veríamos pecadores negando-se a si mesmos, assumindo a sua cruz diariamente e seguindo Jesus, que é uma descrição do discipulado (Mateus 16.24). Não é o que desejamos ver no evangelismo? Então temos de pregar a Lei e o Evangelho.

Santificação

Os mestres da vida cristã geralmente negligenciam a Lei de Deus por completo. A ênfase sobre "submissão completa... rededicação da vida a Cristo... segui-lo por onde Ele mandar... amar a Deus de todo o seu coração..." etc., não tem significado sem a Lei: "Se me amais, guardareis os meus mandamentos... Porque este é o amor de Deus: que guardemos os seus mandamentos; ora, os seus mandamentos não são penosos" (João 14.15; 1 João 5.3). Uma igreja não segue a Grande Comissão até que tenha feito discípulos, batizado e ensinado "a guardar todas as coisas que vos tenho ordenado" (Mateus 28.18-20). A igreja que não está ensinando obediência fiel à Lei de Deus está desobedecendo a Grande Comissão. A igreja também não pode praticar a disciplina eclesiástica com fidelidade e consistência se não entender que "pela lei vem o pleno conhecimento do pecado... o pecado é a transgressão da lei" (Romanos 3.20; 1 João 3.4).

Pregação

Se a doutrina da Lei e do Evangelho está no centro da revelação de Deus ao homem para salvação e santificação, então os pastores devem ter o cuidado de pregar a Lei e o Evangelho de maneira adequada.

Para os não convertidos, precisamos ter certeza de que explicamos que eles estão debaixo da lei e não têm esperança de justificação e salvação-pelas-obras diante de Deus. Também precisamos lhes mostrar suas transgressões da Lei para que saibam que são pecadores condenados debaixo da lei e que devem se arrepender de suas transgressões-da-lei diante de Deus. Devemos lhes mostrar como Cristo cumpriu a Lei por eles e morreu para expiar suas transgressões-da-lei para que possam receber o perdão exatamente como um presente de graça. E devemos lhes mostrar que ao aceitar a salvação eles estão se comprometendo a amar Jesus Cristo e guardar os Seus mandamentos.

Para os convertidos, os pastores devem com certeza ensinar a Lei de Deus para explicar o que é a santidade. E quando ensinarem um mandamento aos santos devem ter certeza de que ensinam o Evangelho, que os santos estãodebaixo da graça em Cristo quando procurarem obedecer, para não tropeçarem no orgulho, na arrogância ou na justiça-própria; ou no desespero de que sua obediência não é suficiente para Deus aceitá-los. Devemos esclarecer quando ensinarmos a obediência que "sendo justificados (uma-vez-por-todas), pois, mediante a fé, temos paz com Deus por meio de nosso Senhor Jesus Cristo" (Romanos 5.1). Apenas aqueles que vivem pela fé debaixo da graça terão o consolo e a força de que "o pecado não terá domínio sobre vós; pois não estais debaixo da lei, e sim da graça" (Romanos 6.14). Muitas vezes tenho ouvido pastores convocando os santos a uma vida de santidade, obediência fiel aos mandamentos de Deus, sem lhes dar o consolo do Evangelho no caminho.

Conclusão

Entender a Lei e o evangelho de maneira adequada é a chave da vida e pregação Cristocêntricas. Nós o apresentamos como aquele que cumpriu a Lei para os pecadores debaixo da lei, que vicariamente assumiu suas transgressões da lei e o juízo merecido, morrendo então sobre a cruz em um sacrifício justo diante de Deus pelos injustos. "Aquele que não conheceu pecado, ele o fez pecado por nós; para que, nele, fôssemos feitos justiça de Deus" (2 Coríntios 5.21). Agora, chamamos a todos os que estão condenadosdebaixo da lei a se arrepender e aceitar pela fé a reconciliação debaixo da graçae a vida eterna.

E convocamos os salvos pela graça a viver pela fé com alegria debaixo da graçae estabelecer uma vida obediente, santa, guardando a Lei com amor pelo seu querido Salvador e Senhor, que disse: "Se me amais, guardareis os meus mandamentos" (João 14.15).

Este é o remédio para o evangelismo superficial, santificação superficial, membros de igreja sem conversão, misticismo desenfreado e desorientado, sem disciplina eclesiástica. A Lei e o Evangelho são diferentes, embora sejam amigos inseparáveis. A Lei dá apoio à pregação do Evangelho, revelando o significado e a glória da cruz. E o Evangelho, que salva da condenação da Lei, manda os remidos de volta para a Lei como uma regra de vida debaixo da graça.
Notas:
  1. Veja Capítulo 19 – "Sobre a Lei de Deus" na Second London Baptist Confession (1689). Este capítulo também está incluído nos credos batistas de Filadélfia e Charleston aos quais muitos dos nossos antepassados Batistas do Sul se filiam.
  2. Charles Bridges, The Christian Ministry (Edinburgh: The Banner of Truth Trust, 1976), 222.
  3. James P.Boyce, Abstract of Systematic Theology (1887; reprint, Pompano Beach, Florida: Christian Gospel Foundation, 1979), 234-239.

Dr. Fred Malone serviu como pastor da First Baptist Church em Clinton, Louisiana. Ele obteve seu bacharelado pela Auburn University, seu M.Div. pelo Reformed Theological Seminary e seu Ph.D em Novo Testamento pelo Southwestern Baptist Theological Seminary. Dr. Malone é membro do Conselho de diversas organizações, incluindo Founders Ministries, Southern Baptist Theological Seminary, o Conselho Administrativo da Association of Reformed Baptist Churches in America e o Institute of Reformed Baptist Studies at Westminster Seminary na California. É autor de vários livros e artigos teológicos, professor e palestrante em conferências e seminários teológicos.

Traduzido por: Yolanda Mirdsa Krievin
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