Por Hermes C. Fernandes
Havia um labirinto na antiga Grécia, na ilha de Creta, criado com o intuito de abrigar umas das mais temidas feras do mundo antigo chamada Minotauro: uma criatura com corpo de homem, cabeça de touro e dentes de leão, usados para devorar todos que se aproximam.
A figura do labirinto serve-nos como analogia da condição existencial humana. A proposta religiosa nos oferece uma rota para nos tirar deste emaranhado e nos reencaminhar na direção da fonte onde encontraríamos a resposta para as nossas mais inquietantes indagações. Porém, é ao homem que devemos creditar tal façanha, não a Deus. Toda religião seria iniciativa meramente humana, diferindo da proposta do evangelho que seria uma iniciativa estritamente divina.
Veja o que Deus diz sobre nossas vãs tentativas de nos reaproximar d’Ele em nossos próprios termos:
“O caminho da paz eles não o conhecem, nem há justiça nos seus passos; fizeram para si veredas tortas; todo aquele que anda por elas não tem conhecimento da paz. Pelo que a justiça está longe de nós, e a retidão não nos alcança; esperamos pela luz, e eis que só há trevas; pelo resplendor, mas andamos em escuridão. Apalpamos as paredes como cegos; sim, como os que não têm olhos andamos apalpando; tropeçamos ao meio-dia como no crepúsculo, e entre os vivos somos como mortos.” Isaías 59:8-10
Veredas tortas, escuridão que nos força a andar apalpando as paredes, reforçam a imagem do labirinto que proponho aqui como análoga à religião. Devido à nossa total incompetência em escapar dele, Deus teve que intervir.
A Lei entregue por Deus a Moisés serviu-nos como um mapa dentro desse labirinto, porém, não nos livrou da presença do mal. A cada curva corríamos o risco de nos depararmos com a besta, metade homem, metade fera. Mas por estarmos na escuridão, apenas ouvíamos o seu rugido, como que de um leão buscando a quem pudesse tragar.
A segunda medida tomada por Deus foi enviar-nos profetas cuja luz serviu-nos como lanterna, possibilitando-nos enxergar o que estava logo à nossa frente (2 Pe. 1:19). Foi a partir daí que descobrimos que as paredes desse labirinto eram feitas de espelho, de sorte que o monstro que vimos nada mais era do que nosso próprio reflexo. Estávamos todos encurralados, não importando que direção tomássemos. A cada curva, o monstro reaparecia. Fugir dele era fugir de nós mesmos. Metade humanos, metade monstros. Tal era nossa condição. Sabíamos o bem que tínhamos de fazer, mas a fera em nós era indomável. Talvez a Lei até pudesse nos conduzir ao destino glorioso que se propunha. O problema não estava nela, mas em nós, nas pulsões que habitam nosso ser bipartido. “Miserável homem que sou!”, exclamaria Paulo, “quem me livrará do corpo desta morte?” (Rm.7:24).
Não foi Teseu, o filho de Egeu quem liquidou o monstro, como na mitologia grega. Foi Jesus, o Filho do Deus vivo quem entrou nesse labirinto e derrotou a besta-fera. Por isso, o mesmo Paulo responde imediatamente à sua pergunta: “Dou graças a Deus por Jesus Cristo nosso Senhor” (v.25).
Através de Sua cruz, Jesus não apenas liquidou o minotauro que nos assombrava, como também nos abriu um novo e vivo caminho pelo qual temos amplo acesso ao Pai. As paredes do labirinto vieram ao chão. É disso que Paulo fala em sua carta aos Efésios:
“Mas agora em Cristo Jesus, vós, que antes estáveis longe, já pelo sangue de Cristo chegastes perto. Porque ele é a nossa paz, o qual de ambos os povos fez um; e, derrubando a parede de separação que estava no meio, na sua carne desfez a inimizade, isto é, a lei dos mandamentos, que consistia em ordenanças, para criar em si mesmo dos dois um novo homem, fazendo a paz, e pela cruz reconciliar ambos com Deus em um corpo, matando com ela as inimizades. E, vindo, ele evangelizou a paz, a vós que estáveis longe, e aos que estavam perto; porque por ele ambos temos acesso ao Pai em um mesmo Espírito.” Efésios 2:13-18
Chega de curvas oblíquas e de caminhos interditados! Chega de ouvir o eco dos rugidos da besta! Estamos agora percorrendo um caminho reto. A complexidade do labirinto cedeu lugar à simplicidade do Caminho. Sequer precisamos de um mapa para transitá-lo. Basta seguir sempre reto, sem desviar-se nem para a esquerda, nem para a direita. Sua simplicidade é tão evidente que o profeta diz que “até mesmo os loucos, não errarão” (Is.35:8). Imagine soltar um louco num labirinto! Solte-o no caminho, ele certamente encontrará seu destino.
Tal verdade é desconcertante para os que se arrogam o papel de especialistas da religião. Aqueles que se apresentam como portadores do mapa. Que dizem possuir a única arma capaz de liquidar o minotauro.
Apesar do alto custo envolvido na demolição do labirinto, a obstinação humana é tamanha que logo se pôs a reconstruí-lo. São os reconstrutores do labirinto religioso os responsáveis por esta nova Babel que vivemos em nossos dias. Diferente da primeira que se erguia verticalmente, a nova Babel é caracterizada por sua complexidade. Não foi em vão que Paulo declarou temer que “assim como a serpente enganou a Eva com a sua astúcia”, tenhamos nosso entendimento corrompido, apartando-nos “da simplicidade e da pureza que há em Cristo” (2 Co.11:3).
Nada mais simples do que um caminho reto, sem curvas, esquinas e interdições. Nada mais complexo do que um labirinto insinuoso como uma serpente enroscada em torno de si. O que pode, à primeira mão, parecer um atalho ingênuo, na verdade é uma armadilha.
Nenhuma parede sequer deve ser poupada. Nada há que se aproveitar do que só serviu para promover alienação e escravidão. Seria como transformar Auschwitz num Jardim de Infância. Que pai se sentiria confortável ao deixar seus filhos estudarem nos mesmos edifícios usados pelos nazistas para torturar e matar os judeus durante a Segunda Guerra Mundial?
Por isso, Jesus foi categórico ao profetizar a demolição completa do templo de Jerusalém. “Não ficará pedra sobre pedra!” O rasgar do véu do templo no momento em que rendeu Seu espírito ao Pai foi o prenúncio do que aconteceria cerca de quarenta anos depois sob a espada romana.
Aquele templo havia se tornado num monumento à religiosidade farisaica e hipócrita que se instalara entre os judeus contemporâneos de Cristo. Sua santidade original houvera sido profanada. E a partir do momento em que o sacrifício de Jesus fora aceito pelo Pai, todo e qualquer sacrifício, bem como todo e qualquer culto que se oferecesse ali seriam nulos. Portanto, o templo se tornara obsoleto.
Uma nova aliança passara a vigorar, em que já não haveria geografias sagradas, nem lugar para a burocracia sacerdotal, mas tão somente o culto racional, aquele oferecido ao Pai “em Espírito e em Verdade”, conforme Jesus.
A Antiga Aliança oferecia um caminho em meio ao labirinto. Mas a Nova Aliança oferece o Caminho sem qualquer labirinto. Com o labirinto implodido, que utilidade teria o velho caminho proposto pelo pacto anterior?
Nossa comunhão com Deus foi reatada. O Minotauro foi liquidado. Nosso velho homem foi crucificado juntamente com Cristo. Os sacrifícios exigidos pela Lei foram totalmente inutilizados e ofuscados ante o sacrifício vicário de Jesus. Portanto, insistir neles é um insulto ao Espírito da Graça.
Por isso, tenhamos “ousadia para entrarmos no santíssimo lugar, pelo sangue de Jesus, pelo caminho que ele nos inaugurou, caminho novo e vivo, através do véu, isto é, da sua carne” (Hb.10:19).
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