sábado, 8 de agosto de 2015

Leia Romanos com Calvino: Justificados temos paz com Deus (Romanos 5.1-2)


Por João Calvino

                                                        Romanos 5.1-2

(1) Justificados, pois, mediante a fé, tenhamos paz com Deus, por meio de nosso Senhor Jesus Cristo; (2) por intermédio de quem obtivemos igualmente acesso, pela fé, a esta graça na qual estamos firmes; e gloriamo-nos na esperança da glória de Deus.


1. Justificados, pois, mediante a fé. O apóstolo começa a elucidar, por seus efeitos, suas afirmações até este ponto concernentes à justiça [procedente] da fé. O todo deste capítulo, portanto, consiste em ampliar o que o apóstolo afirmara. Essas ampliações, contudo, não só explicam seu argumento, mas também o confirmam. Ele defendera a tese dizendo que, se a justiça é buscada nas obras, então a fé é abolida, pois as almas, desgraçadamente, não possuindo em si mesmas persistência alguma, serão atribuladas por constante inquietação. Paulo, entretanto, então nos ensina que, ao alcançarmos a justificação mediante a fé, nossas almas são tranqüilizadas e pacificadas.

Tenhamos paz com Deus, por meio de nosso Senhor Jesus Cristo. Este é o fruto particular da justiça [procedente] da fé, e qualquer desejo de buscar a tranqüilidade de consciência por meio das obras (o que percebemos entre os religiosos e os ignorantes) perderá seu tempo, porque, ou o coração se acha adormecido em razão da negligência, ou a pessoa faz ouvidos moucos aos juízos divinos, ou se deixa dominar pelo temor e tremor até que repouse em Cristo, o único que é nossa paz.

Paz, portanto, significa serenidade de consciência, a qual tem sua origem na certeza de haver Deus nos reconciliado consigo mesmo. Esta serenidade é possuída ou pelos fariseus, que se inflavam com uma falsa confiança em suas obras, ou pelo pecador insensível que, uma vez intoxicado com os prazeres produzidos por seus vícios, não sente qualquer carência de paz. Embora nenhuma dessas pessoas aparente estar em franco conflito com Deus, ao contrário da pessoa que se vê abalada pelo senso do pecado, todavia, visto que ela não se aproxima realmente do tribunal de Deus, jamais experimentou verdadeiramente a harmonia com ele. Uma consciência entorpecida implica na alienação de Deus. Paz com Deus é o oposto da serenidade produzida pela carne entorpecida, visto ser de suprema importância que cada um se desperte para prestar contas de sua vida. Ninguém que não tenha o temor de Deus se manterá em sua presença, a não ser que se refugie na graciosa reconciliação, pois enquanto Deus exercer a função de Juiz, todos os homens devem encher-se de medo e confusão. A mais forte prova disso é o fato de nossos oponentes outra coisa não fazerem senão brandir à toa as palavras de um lado para outro, enquanto reivindicam justiça por conta de suas obras. A conclusão de Paulo tem por base o princípio de que as almas desditosas estarão sempre desassossegadas, a menos que repousem na graça de Cristo.

2. Por intermédio de quem obtivemos igualmente acesso,pela fé, a esta graça. Nossa reconciliação com Deus está subordinada a Cristo. Ele é o único Filho Bem-amado; todos nós, por natureza, somos filhos da ira. Porém, esta graça nos é comunicada pelo evangelho, visto ser ele o ministério da reconciliação. Nosso ingresso no reino de Deus é através do benefício desta reconciliação. Paulo, pois, corretamente põe diante de nossos olhos a promessa certa, em Cristo, da graça de Deus, com o fim de afastar-nos mais eficientemente da confiança em nossas obras. Ele nos ensina, por meio da palavra acesso, que a salvação tem sua origem em Cristo, e assim exclui as preparações por meio das quais os tolos acreditam poder antecipar a misericórdia divina. É como se dissesse: “Cristo encontra o indigno, e estende-lhe sua mão para libertá-lo.” E imediatamente acrescenta que é pela continuação da mesma graça que nossa salvação permanece firme e segura. Com isso ele quer dizer que nossa perseverança não se acha fundamentada em nosso próprio poder ou empenho, mas tão-somente em Cristo. Mas quando ele, ao mesmo tempo, diz na qual estamos firmes, o sentido equivale a isto: quão profundamente radicado deve estar o evangelho nos corações dos piedosos, de modo a se sentirem fortalecidos por sua verdade e bem solidificados contra todas as astúcias da carne e do Diabo. Pelo termo firmes ele quer dizer que a fé não é a persuasão fugaz de um dia, senão que se acha tão radicada e submersa em nossa mente, que o seu prosseguimento se faz seguro ao longo de toda nossa vida. O homem, pois, cuja fé lhe assegura um lugar entre os fiéis, jamais é levado a crer por um súbito impulso, mas permanece naquele lugar divinamente designado para ele, com uma persistência tal, e com tal imperturbabilidade, que jamais deixa de ser fiel a Cristo.

E gloriamo-nos na esperança da glória de Deus. A razão, não só para a emergência da esperança da vida por vir, mas também para nossa participação em sua alegria, é que descansamos no sólido fundamento da graça de Deus. O que Paulo tem em mente é o seguinte: embora os cristãos sejam agora peregrinos na terra, não obstante, por sua confiança, se elevam acima dos céus, de modo que afagam em seu peito sua futura herança com tranqüilidade. Esta passagem demole as duas mais perniciosas doutrinas dos sofistas, a saber: primeiro, ordena aos crentes a se contentarem com conjetura moral, discernindo a graça de Deus em favor deles; segundo, ensina que todos nós nos achamos em estado de incerteza acerca de nossa perseverança final. Porém, caso não haja conhecimento seguro agora, nem qualquer persuasão consistente e inabalável quanto ao futuro, quem ousará gloriar-se? A esperança da glória de Deus nos resplandece do evangelho, o qual testifica que seremos participantes da natureza divina, pois quando virmos a Deus face a face então seremos como ele é [2Pe 1.4; 1Jo 3.2].


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